Educação
Psicologia cognitiva ajudando a prever o futuro
Scientia potentia est. Conhecimento é poder. Esta frase, frequentemente atribuída a Francis Bacon, está adquirindo um novo significado a partir deste ano.
Vivemos em uma época em que muitas informações são coletadas, processadas, usadas e até vendidas. E uma das prioridades do conhecimento científico é justamente a previsão do futuro, para fins de antecipação de fatos e informações. Existem várias teorias científicas que viabilizam isso. Conhecimentos elementares de astronomia permitem antecipar épocas mais adequadas para plantio e colheita. A teoria da gravitação universal de Newton permite prever quando um objeto tocará o chão, após ser abandonado a partir de uma altura conhecida. E cadeias de Markov são empregadas para o desenvolvimento de modelos estatísticos que conseguem antecipar o comportamento de mercados de ações em curtos intervalos de tempo.
Mas agora é a psicologia cognitiva que está desenvolvendo novas técnicas para a previsão do futuro. E, desta vez, o objetivo é antecipar o futuro político de nações e do mundo.
Treze pesquisadores da University of Pennsylvania, Rice University e University of California (Berkeley) publicaram este ano um artigo no prestigiado periódico Psychological Science, no qual é relatado um torneio de previsões geopolíticas durante um período de dois anos.
Este trabalho já está sendo citado em artigos publicados em Proceedings of the National Academy of Sciences, um dos mais impactantes periódicos científicos multidisciplinares do mundo, e despertou a atenção de unidades da inteligência militar dos Estados Unidos. A US Intelligence Advanced Research Projects Activity (IARPA) decidiu apoiar financeiramente o Projeto Bom Julgamento, com o objetivo de desenvolver novas abordagens para previsões políticas nacionais e internacionais.
No artigo original acima citado é relatada a existência de pessoas com habilidades especiais de previsão do futuro. No entanto, tais pessoas não podem fazer previsões sozinhas, se o objetivo é torná-las mais precisas. Elas precisam formar equipes devidamente orientadas por profissionais da cognição humana.
Entre as pessoas testadas (recrutadas a partir de sociedades profissionais, centros de pesquisas, associações de ex-alunos e blogs de ciências), foram formados grupos que interagiam entre si e com os pesquisadores envolvidos. Mais de duas mil pessoas (chamadas de previsores) fizeram parte deste torneio e Philip Tetlock (líder do projeto) identificou uma parcela de 2% desta população como super forecasters (super previsores).
Tetlock e colaboradores orientaram os previsores com técnicas de colaboração em equipe, treinos específicos sobre probabilidades (para fins de correção de tendências humanas naturais) e a efetiva identificação de super previsores para a formação de equipes de elite. O principal resultado foi o seguinte: apesar de previsões serem frequentemente compreendidas como um problema estatístico, elas podem se tornar consideravelmente mais precisas e corretas diante de intervenções comportamentais.
A equipe liderada por Tetlock também identificou que as pessoas com maior habilidade para previsão do futuro são aquelas que têm desempenho melhor em testes de inteligência e que apresentam a mente mais aberta. Mente aberta, do ponto de vista da psicologia cognitiva, corresponde à habilidade para se lidar com incertezas. Apesar de visão política ajudar, um dos super previsores, por exemplo, é um farmacêutico. Isso ilustra muito bem o fato de que super previsores podem ser encontrados nos mais inesperados lugares.
Diante da realidade política de elevada instabilidade como hoje se encontra o nosso país, vejo como obrigação o comprometimento de nossas autoridades no desenvolvimento de pesquisas aplicadas nesta área. Afinal, se o futuro político de uma nação pode ser cientificamente antecipado, certamente erros podem ser evitados.
O futuro é incerto sim. Mas já existem evidências significativas (levadas muito a sério) não apenas de tendências para a ocorrência de certos eventos políticos como também da real antecipação dos resultados de tais tendências. Cabe ao Brasil não errar novamente, como já o fez em outras oportunidades, por falta de cultura científica.
Os resultados de Tetlock e colaboradores precisam ser conhecidos e aplicados em nossa nação. É o nosso futuro que está em jogo.
Ao leitor interessado, o periódico Psychological Science disponibilizou aqui uma versão não técnica do trabalho de Tetlock.
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