Educação
O futuro profissional e pessoal de superdotados
Segundo o jornalista Olavo de Carvalho, no Brasil se confunde conhecimento com pedantismo e busca de poder. Aliás, fortemente recomendo ao leitor que clique neste link, para acompanhar uma belíssima entrevista de quinze minutos que sumariza de maneira muito clara (e escandalosa) a situação da educação em nosso país.
Como compartilho com praticamente todas as ideias apresentadas na entrevista acima citada, retomo uma velha questão: por que investir em educação em um país tão passivamente resistente ao conhecimento de alto nível?
Essa resistência é marcante até mesmo na vida acadêmica brasileira, com a elevada tolerância ao plágio, a persistente expectativa de que todos sejam iguais entre si, ou as usuais manobras para mostrar uma produção intelectual que não é real, entre muitos outros exemplos já discutidos neste blog.
Em meio à ignorância brasileira que repousa sobre berço esplêndido, existe uma crescente avalanche de discursos contra preconceitos. Fala-se de maneira comumente dogmática e não qualificada sobre preconceito racial, religioso, sexual, cultural, social, entre outros. Mas jamais se fala do preconceito contra o conhecimento e contra aqueles que dominam conhecimentos e habilidades de alto nível (ver, por exemplo, este depoimento de um superdotado). Isso porque a própria noção de preconceito, enquanto tema de estudos sistemáticos em psicologia e sociologia, nasceu oficialmente em 1954, nos Estados Unidos, um país com tradição na produção e cultivo de múltiplas formas de conhecimento (e de preconceitos, claro!). [Para uma excelente revisão histórica dos primeiros estudos sobre preconceitos, recomendo este artigo.] Portanto, o Brasil é um país que, além de culturalmente desprezar o conhecimento, é completamente cego diante de manifestações de preconceito intelectual. Somos uma nação desconhecedora de nossos próprios preconceitos. E mesmo quando tratamos de preconceitos usualmente discutidos, atropelamos o mais elementar senso crítico.
Mas a melhor maneira para lutar contra o preconceito ao conhecimento é - trágica e ironicamente - através do próprio conhecimento.
Em dezembro do ano passado foi publicado um artigo que reporta quarenta anos de análises sobre uma população de 1650 pessoas que, no início dos anos 1970, foram diagnosticadas como superdotadas. Eram crianças de treze anos que hoje são homens e mulheres com cerca de 53 anos de idade. E eram crianças com excepcional raciocínio matemático, listadas entre os 1% dos estudantes mais talentosos daquela faixa etária. Hoje são adultos profissionalmente muito bem sucedidos e com elevados níveis de satisfação pessoal. Este artigo foi veiculado no periódico Psychological Science.
Segundo os autores, talento matemático precoce permite antecipar contribuições criativas na vida adulta, bem como liderança profissional. Neste universo de 1037 homens e 613 mulheres, os níveis de satisfação pessoal são invariavelmente elevados. No entanto, as prioridades pessoais e profissionais dependem de gênero sexual. Os homens têm a tendência de se tornarem CEOs ou trabalharem com tecnologia da informação ou áreas ligadas à ciência, engenharia e/ou matemática. Já as mulheres apresentam uma maior tendência a assumirem negócios em geral, ou trabalharem com educação básica e saúde. Homens procuram priorizar carreiras de alto impacto, enquanto mulheres preferem atividades mais voltadas à família e à comunidade. Há também diferenças salariais. Homens, neste universo de estudos, têm uma renda consideravelmente superior à das mulheres. No entanto, ambos os gêneros consideram que família é o mais importante fator para definir sucesso profissional no futuro.
Esse grupo de 1650 pessoas publicou 85 livros e registrou 681 patentes. E, além disso, publicou 7572 artigos em periódicos especializados de alto nível. Isso nos dá uma média de 0,46 artigos por pessoa por ano (considerando os últimos quarenta anos). Importante observar, para efeitos de contas, que apenas 25% dos homens e mulheres deste grupo são responsáveis por esta produção de artigos.
Ou seja, a mensagem desta pesquisa é clara. Cabe à família o estímulo de talentos naturais. Cabe à sociedade o aproveitamento desses talentos naturais. Cabe a cada um de nós o fim da mentalidade compartimentalizada em um invólucro que insiste em impor artificialmente que somos todos iguais. O talento matemático de um jovem é um fenômeno raro. Mas é um fenômeno que, se devidamente estimulado, apresenta consequências relevantes e construtivas para vastos segmentos sociais. Precisamos estimular os nossos 1% de supertalentos. Sem eles, os 99% restantes permanecerão à deriva, como hoje já se encontram.
Sem dúvida, o conhecimento é para poucos. O próprio Google, tão enaltecido por muitos como se fosse a nova e imbatível enciclopédia, consegue indexar apenas 0,004% de todo o conteúdo da internet. E quem realmente sabe o que existe na internet? Ninguém, absolutamente ninguém! E quem disse que este oceano de informações disponível na internet cobre alguma fração significativa do conhecimento relevante disponível no mundo todo? Garantidamente este não é o caso.
Preconceitos geralmente são impostos sobre minorias. E o domínio do conhecimento é algo acessível somente a uma minoria, muito pequena. No entanto, aqueles que não fazem parte desta minoria precisam abrir espaço para os novos talentos. Esta não é uma questão de tolerância ou magnânima compreensão. Esta é uma questão de sobrevivência de nossa própria sociedade.
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