Segundo Karl Marx, as revoluções são possíveis através de conflitos e violência, pois essas são as "parteiras da História". De certa forma, ele está certo, pois praticamente todas as revoluções que tivemos ao longo da História Humana ocorreram por conflitos, muitos deles violentos, que é o caso das "corridas técnico-científicas (armamentista, tecnológico e espacial) " entre os E.U.A e a U.R.S.S durante a tão temida "Guerra-fria". Conflitos assim não foram só cruciais para ciências isoladas, como para todas as ciências, incluindo a paleontologia.
Pouco comentado, o conflito que foi crucial para a paleontologia ocorrera antes, muito antes da Guerra-Fria, e fôra apelidado de "Guerra dos Ossos".
Guerra dos Ossos. Imagem por: Pelycosaur24 (deviantART)
Ocorrendo no final do Século XIX, mais especificamente entre os anos de 1877 e 1892, a Guerra dos Ossos foi marcada por uma intensa rivalidade entre Othniel Charles Marsh e Edward Drinker Cope. Essa rivalidade, tinha como objetivo determinar quem iria deter a "Supremacia Paleontológica". Para conquistar esse posto, ambos usaram métodos totalmente desonestos, tais como roubo, suborno, destruição de fósseis, ossos e sítios Paleontológicos.
Inicialmente, Cope e Marsh foram bastante cordiais, se cautelosamente falando, colegas, tendo eles se reunindo na Alemanha em 1864 (até então, a Europa estava na vanguarda dos estudos paleontológicos e mais ainda nos estudos dos dinossauros, pois até então, passaram cerca de 22 anos desde a classificação dos primeiros espécimes por Sir Richard Owen). Parte do problema decorre dos estratos sociais em que os dois tiveram suas origens: Edward Drinker Cope nasceu no estado de Pensilvânia em 1840 em uma família rica, enquanto, Othniel Charles Marsh nasceu no estado de Nova Yorque em 1831, mais especificamente no dia 29 de outubro de 1831 em Lockport, tendo nascido em uma família tradicional e economicamente humilde (porém com um Tio extremamente rico, George Peabody).
Othniel C. Marsh (esquerda) e Edward D. Cope (Direita).
Alguns historiadores começam a definir o inicio da Guerra dos Ossos em 1868, quando, por um equívoco, Cope reconstruiu um fóssil estranho enviado a ele a partir de um médico-militar do estado de Kansas. Nomeando o novo espécime de "Elasmosaurus", ele colocou o seu crânio no final de sua curta cauda, ao invés de seu enorme pescoço. Quando ele percebeu esse erro com a ajuda do curador Joseph Leidy, Marsh começou a humilhá-lo, apontando-o em meio científico e publicamente. A humilhação chegou a tal ponto, que Cope tentou comprar e destruir todas as cópias da revista científica que publicou uma matéria desfavorável a ele, mostrando a todos sua recontrução incorreta.
De fato, o "Fatídico Elasmosaurus" não foi um evento da guerra, entretanto, seus acontecimentos contribuíram para o início de inimizade e 'picuinha' entre Cope e Marsh, o pontapé inicial para os eventos que mais tardar se agravariam ao ponto de virar um grande conflito entre dois "ex-amigos".
Não demorou muito e os primeiros eventos que antecederiam a Guerra dos Ossos começaram a acontecer. Pouco tempo se passou desde o equívoco e a humilhação e Cope, ao fazer uma expedição em New Jersey, descobriu em afloramento fossilífero um fóssil de Hadrosaurus, que foi nomeado pelo mentor de Marsh e Cope, o renomado paleontólogo Joseph Leidy (o mesmo que corrigiu a reconstrução do Elasmosaurus). Quando ele ainda via quantos ossos tinham de ser recuperados do afloramento, Marsh pagou aos escavadores para que eles levassem todos os achados interessantes para ele. Cope ao ver essa grande violação à ética científica, percebeu que a implicância era algo pessoal.
Logo no início da década de 1870, se deu o outro grande e definitivo pontapé para essa guerra científica: o achado de grandes fósseis de dinossauros no oeste Americano. No final dessa década, 1877, fora enviada uma carta à Marsh e a Cope, pelo Professor Arthur Lakes, residente do estado de Colorado, que descrevia ossos "sáuricos" que tinha encontrado durante uma caminhada em uma expedição. Lakes enviou para ambos amostras de fósseis, pois temia que Marsh não se interessasse.
Caracteristicamente, Marsh pagou à Lakes 100 dólares para manter sua descoberta total sigilo e quando descobriu que Cope tinha sido notificado, enviou um agente para o Oeste para garantir sua reivindicação. Entretanto, ao mesmo tempo, Cope foi designado para outro afloramento em Colorado, que Marsh, fracassadamente, tentou impedir.
À essa altura, Marsh e Cope, ambos, já tinham ciência que estavam competindo pelos melhores fósseis e ossadas de dinossauros da região, uma coisa que explica as grandes, centradas e subsequentes intrigas em Como Bluff, Wyoming. Não informando seus nomes reais, dois trabalhadores da Union Pacific Railroad começavam a negociar seus achados com Marsh, que com os arranjos financeiros necessários, começava a receber vagões de fósseis. Tais fósseis, incluem os os primeiros exemplares de
Diplodocus,
Allosaurus e
Stegosaurus.
Ilustração de Marsh de 1896 doStegosaurus. Imagem por: US Geological Survey
A notícia sobre o acordo de monopólio, não tardando, logo chegou à imprensa, provavelmente porque os funcionários da Union Pacific Railroad envolvidos queriam e exageraram nos preços dos fósseis vendidos para Marsh, afim de 'fisgar um peixe maior', os mais ricos, no caso, Cope. Logo Cope enviou seu próprio agente para o Oeste e quando as negociociações falharam (possivelmente porque ele não estava disposto a pagar os preços absurdamente impostos pelos trabalhadores), instruiu seu principal escavador a se envolver e roubar fósseis de Como Bluff.
Logo após esses acontecimentos, farto dos pagamentos irregulares e incertos de Marsh, um dos trabalhadores começou a trabalhar para Cope, transformando Como Bluff no "Epicentro da Guerra dos Ossos". Nessa época, ambos, Marsh e Cope, já haviam se mudado para o Oeste, e ao longo dos próximos anos se envolveram em vários tipos de trapaça, como por exemplo, destruição de fósseis não cobrados e afloramentos (de maneira a manter-los mutuamente fora de cogitação), ambos colocando espiões em meio às escavações, subornando funcionários e até mesmo o roubo descarado de ossos. De acordo com relatos, os trabalhadores das escavações rivais se odiavam a ponto de ambas equipes se apedrejarem.
Marsh (em pé, no centro), cercado por assistentes armados em sua expedição de 1872. Autor Desconhecido.
Por volta da década de 1880, já estava claro que Marsh ganhara a competição descrevendo mais de 80 espécies. Graças ao seu tio, George Peabody (o velho banqueiro e filantropo que emprestou seu nome ao Museu de História Natural de Yale), Marsh teria uma maior condição financeira para contratar mais funcionários e abrir mais afloramentos, enquanto Cope lentamente ficava para trás. Cope continuou a publicar seus artigos, entretanto, dessa vez ele tinha uma maior rigorosidade, para que Marsh não encontrasse erro algum. Cope não tardaria em ter sua vingança.
George Peabody, Tio de Marsh. Autor desconhecido.
Em 1884, o Congresso deu início a uma investigação sobre o Serviço Geológico dos Estados Unidos da América, que Marsh teria sido nomeado chefe poucos anos antes. Cope, sorrateiramente, recrutou alguns dos funcionários de Marsh para testemunhar contra seu chefe, sendo Marsh conivente para que mantesse suas queixas fora dos jornais. Em seguida, Cope, novamente de forma sorrateira, forneceu à um jornalista um diário que ele, Cope, mantinha consigo por duas décadas, onde fora meticulosamente listados os vários crimes de Marsh, contravenções e erros científicos. Todas essas informações foram fornecidas à um jornalista dos New York Herald, que publicou uma matéria sessassionalista sobre A Guerra dos Ossos. Como Isaac Newton ousa afirmar em sua 3ª principal lei: "Toda ação gera uma reação", e com Marsh não foi diferente. Ao ver a matéria, Marsh, logo tratou de se defender no mesmo tablóide e de lançar acusações semelhantes ao seu rival, Cope.
Ao final dessa "lavação de roupa-suja (e fósseis sujos)", nenhuma das partes foi beneficiada. Marsh foi obrigado a abdicar ao seu cargo no Geological Survey e Cope foi nomeado chefe da Associação Nacional para o Avanço da Ciência, que foi abalada por problemas de saúde e teve que vender porções de fósseis que fora duramente conquistada. Após tanto confronto, ambos se arruinaram financeiramente, desperdiçando de forma considerável suas fortunas. Cope morreu em 1897 e Marsh dois anos após, em 1899, mais especificamente em 18 março de 1899.
Chegando ao juiz de tudo e suas consequências, podemos concluir que esse evento teve, por sua vez -assim como outros eventos citados no início do texto -, um grande e profundo impacto na paleontologia americana. Tão ansiosos estavam Marsh e Cope competindo entre si, que avançaram consideravelmente no conhecimento paleontológico, coisa que se tivesse ocorrido somente por uma rivalidade amistosa, talvez não tivesse tantos resultados. A contagem final foi incrível: Marsh descobriu cerca de 80 novos gêneros e espécies, enquanto Cope, cerca de 56.
Os fósseis descobertos por ambos ajudaram a alimentar uma fome crescente do público norte-americano por novos dinossauros. Cada grande descoberta foi acompanhada por uma onda de publicidade, tais como revistas e jornais ilustrados, restando aos museus e seus curadores reconstruírem de forma lenta os esqueletos, onde residem até os dias atuais. Seguramente, podemos afirmar que o interesse popular por dinossauros realmente teve inicio com a Guerra dos Ossos, e é discutível se teria surgido naturalmente, sem toda essa confusão.
"Bone Sharps, Cowboys, and Thunder Lizards", obra por Jim Ottaviani.
A Guerra dos Ossos, por si, como toda guerra ou conflito, trouxe várias consequências negativas consigo e podemos destacar duas principais. Começando pelo fato dos paleontólogos europeus terem ficado horrorizados com o comportamento "pré-histórico" de seus colegas americanos, que deixaram uma persistente desconfiança que levou décadas para se dissipar. O outro efeito negativo foi a confusão e descrição descuidada de muitas espécies, que levou quase 100 anos para se refazer. Como é o caso do Apatosaurus e Brontosaurus em que Marsh colocou um crânio no corpo errado (bela ironia do destino!).
Referências bibliográficas:
•Strauss, Bob. The War Bone; about.dinosaur.com, data da publicação desconhecida.
(< http://dinosaurs.about.com/od/dinosaurdiscovery/a/bonewars.htm >)
•Strauss, Bob. Othniel C. Marsh; about.dinosaur.com, data da publicação desconhecida.
(< http://dinosaurs.about.com/od/famouspaleontologists/p/othnielmarsh.htm >)
•Strauss, Bob.Edward Drinker Cope; about.dinosaur.com, data da publicação desconhecida.
(< http://dinosaurs.about.com/od/dinosaurdiscovery/p/edwardcope.htm >)
•TOMAZI, ND; Sociologia para o Ensino Médio; 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 256 p.
•http://peabody.yale.edu/collections/archives/biography/othniel-charles-marsh
•http://www.ansp.org/explore/online-exhibits/stories/bone-wars-the-cope-marsh-rivalry/
loading...
Tudo possui uma origem, assim como os primeiros seres vivos há mais ou menos 3,8 bilhões de anos. Assim foi com o estudo dos dinossauros. Como tudo isso começou? Na postagem de hoje vamos falar sobre as primeiras descobertas de dinossauros na história!...
Quantos segredos ainda faltam para serem descobertos? Ou será que TODOS já foram e não nos resta lugares para procurar novas espécies de dinossauros brasileiros? Não se preocupe caro leitor, há muito chão ainda para se procurar dinossauros em nosso...
Olá querido leitor, Do mesmo jeito quando um usurpador rouba o trono de alguém, ou quando uma pessoa incendeia uma residência ou um prédio comercial, ambas estão cometendo crimes e violações. É sobre isso que vamos falar no post de hoje. Desde...
Oi pessoal hoje vamos ficar por dentro de algumas descobertas épicas na história da Paleontologia! Criaturas estranhas Em 1888, Jhon Bell Hatcher visitou Wyoming e encontrou um dos dinossauros mais estranhos até então conhecidos. Num desfiladeiro...
A Paleontologia moderna tem se dedicado muito ao estudo do comportamento dos dinossauros. Em alguns casos excepcionais, os cientistas tiveram a incrível chance de descobrir vestígios que elucidaram o atencioso cuidado parental de algumas espécies....