Preconceito e Educação
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Preconceito e Educação



Preconceito, por definição, é uma opinião ou sentimento concebido sem exame crítico. Educação, de acordo com o senso comum, é o processo social que visa a formação e o desenvolvimento físico, intelectual e moral de seres humanos. Se este processo social for realizado de forma sistemática e institucionalizada, temos a educação formal. Portanto, neste contexto, uma pessoa formalmente educada não é necessariamente desprovida de preconceitos. Com efeito, o desenvolvimento físico, intelectual e moral de um indivíduo pode, sem dúvida, ser direcionado para posturas preconceituosas. 

Como já foi demonstrado matematicamente em postagem anterior, pessoas são naturalmente tendenciosas. Não há como evitar. Faz parte do íntimo de todos nós a incapacidade de sermos imparciais. E, se não conseguimos ser imparciais, como evitar o preconceito? Afinal, o próprio conceito de exame crítico é muito vago. As ideias que parecem claras para uns, não são para outros.

Existem aqueles que defendem a postura do respeito em relação a ideias ou sentimentos de outros, especialmente quando tais ideias ou sentimentos provocam algum tipo de desconforto. Se, por exemplo, uma pessoa não é religiosa, ela deve respeitar quem é. No entanto, tal postura geralmente oculta ignorância: se uma pessoa não é religiosa, ela não demonstrará o menor interesse por religião, apesar de religião obviamente desempenhar um papel fundamental nas sociedades humanas. Neste sentido, respeito é um eufemismo para "Por favor, fique longe de mim! Eu não incomodo você se você não me incomodar."

O suposto respeito por ideias ou sentimentos alheios frequentemente se traduz como segmentação social e, portanto, repercute na formação de grupos isolados: existem aqueles que gostam de futebol e os que desprezam, aqueles que gostam de cinema e os que preferem teatro, aqueles que se interessam por aspectos filosóficos da ciência e os que estão focados em aplicações. E grupos como estes raramente interagem entre si de forma socialmente construtiva.

Como minhas tendências pessoais sempre foram contra o isolamento social, prefiro a discussão. Entre guerra e acordo de paz, fico com a guerra. Entre tolerância e preconceito, fico com a argumentação. 

Muitas ideias já foram defendidas neste blog, sendo que uns poucos leitores decidiram contestá-las. Ao perceber que umas poucas discussões se prolongavam demais, sem sinal algum de convergência de ideias, pedi para encerrarmos o diálogo. Mas isso jamais significou que respeito ou desrespeito aqueles que discordam de mim. Apenas significou que discussões devem avançar e não estagnar. Se ocorre alguma forma de impasse, espero que o outro lado pense tanto nas minhas ideias quanto eu penso naquelas com as quais não concordo.

No entanto, já percebi em sala de aula que existe até mesmo preconceito com relação ao significado de preconceito. Quando alunos afirmam que equação de reta qualquer no plano cartesiano é dada por y = ax b ou que divisão de número real por zero é impossível de calcular, respondo que estes são preconceitos. E a reação usual dos alunos é uma risada, principalmente nos últimos dez anos. Aparentemente existe o preconceito de que preconceitos se aplicam somente sobre questões de ordem moral ou social e jamais sobre assuntos de raro apelo emocional mundano, como matemática. 

Universidades deveriam ser os ambientes ideais para o rompimento de preconceitos. Ainda que sejamos individualmente incapazes de evitar preconceitos, isso não deveria impedir nossa busca pela análise crítica do conhecimento. Afinal, em grupos somos capazes de minimizar nossos preconceitos inerentes enquanto indivíduos. Daí a importância do trabalho interdisciplinar promovido por equipes em ambientes destinados à produção do conhecimento científico, tecnológico e artístico, como universidades. Grupos de pessoas que compartilham as mesmas ideias apenas operam dentro dos limitados parâmetros de um indivíduo qualquer. Mas grupos de pessoas com ideias diferentes tendem a inovar de maneira significativa, se elas perceberem que o significativo avanço intelectual é muito mais importante do que a opinião ou visão de um único indivíduo. 

Mesmo quando um único indivíduo apresenta uma ideia absolutamente inovadora ou revolucionária, como Einstein ou Xenakis, a decisão sobre sua legitimidade e relevância é inevitavelmente promovida pelos contornos sociais definidos pelos pares profissionais de tais indivíduos. A teoria da relatividade geral não é um triunfo apenas de Albert Einstein. É um triunfo da espécie humana, que foi capaz de analisar criticamente o alcance e os limites desta fundamental teoria científica. Muitos foram aqueles que testaram e muitos são aqueles que ainda testam a consistência teórica e experimental da teoria da relatividade geral.

O processo educacional que considero ideal é aquele que estimula o senso crítico. Educação não deveria ser um processo de mero adestramento para fins de inserção social. Educação deveria ser a permanente crítica sobre aquilo que se julga já estabelecido. Educação não deve promover zonas de conforto, mas insegurança. Quem se sente intelectualmente seguro é um tolo. Isso porque ainda não foram respondidas as questões mais fundamentais e antigas da existência humana: quem somos, de onde viemos e para onde iremos. 

Não sabemos ainda se algum dia seremos capazes de colonizar outros mundos. Não sabemos ainda se estamos a sós no universo. Não sabemos se algum dia poderemos usar conhecimentos físicos sobre a natureza do tempo para estudar história. Não sabemos quem de fato foi Jesus Cristo. Não sabemos se algum dia será impossível a composição de novas músicas. Não sabemos se algum dia venceremos os limites de nossa própria capacidade intelectual. Não sabemos sequer se continuaremos a existir por muito mais tempo, enquanto civilização. 

Em suma, trabalho intelectual sério demanda trocas de ideias, discussões, argumentos, defesas, ataques, guerra. Mas é uma guerra na qual a vitória de um argumento não deve ser encarada como uma vitória pessoal. Se Einstein criou a teoria da relatividade geral, foi porque ele avaliou criticamente a gravitação newtoniana. Sem a obra de Isaac Newton, não haveria qualquer ideia conceitualmente oposta à noção de ação-a-distância, presente na gravitação universal. Além disso, as ferramentas do cálculo diferencial e integral de Newton foram fundamentais para o desenvolvimento da própria teoria da relatividade geral. Sem um dos criadores das bombas V-2 que os nazistas lançaram sobre Londres na Segunda Guerra Mundial, os americanos não teriam enviado homem algum para a Lua. Sem a Copa do Mundo que iniciará no próximo mês, não teríamos tantas discussões fervorosas sobre a melhor distribuição de recursos públicos em educação, saúde e segurança em nosso país. Sem guerra, jamais sentiríamos a necessidade pela paz. Sem preconceito, não pensaríamos na necessidade de senso crítico.

Para encerrar esta breve discussão sobre preconceito e educação convido o leitor a examinar cuidadosamente a imagem no topo deste texto, clicando sobre ela. Como já insisti em outras ocasiões, cada imagem é escolhida de forma a se adequar aos propósitos de suas respectivas postagens. E esta aqui não é exceção. Na imagem abstrata associada a este texto há duas outras imagens concretas e não concatenadas. Consegue identificá-las?



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