Ensino a distância
Educação

Ensino a distância




O termo "ensino a distância" é amplamente empregado por profissionais da educação e simplesmente repetido em todos os segmentos sociais sem uma devida qualificação e avaliação. Afinal, todo processo de ensino promovido por profissionais da educação envolve algum tipo de distância. Além da distância espacial física óbvia (duas pessoas não podem ocupar a mesma região do espaço, definida pelos seus corpos, ao mesmo tempo), existem também as distâncias emocionais (não compete a professores quaisquer aproximações emocionalmente profundas com seus alunos), sociais (comumente professores e alunos vivem realidades diferentes), intelectuais (professores deveriam conhecer os assuntos que lecionam melhor do que seus alunos), pedagógicas (professores deveriam conhecer processos educacionais melhor do que seus alunos) e culturais (cada pessoa tem a sua própria cultura). E no caso do ensino promovido por certas instituições universitárias, frequentemente ele ocorre a grandes distâncias, por conta de livros publicados por editoras associadas a universidades. E isso acontece desde muitos anos antes da popularização da internet e do emprego de outras mídias eletrônicas para a divulgação do conhecimento.

Não creio que exista uma terminologia adequada para substituir a expressão "ensino a distância". "Ensino não presencial" também é um termo inadequado, por ser vago e ambíguo (pessoas vivas sempre estão presentes em algum lugar). Além disso, quando um aluno estuda sozinho um livro em seu quarto ou qualquer outro ambiente reservado, podemos ter um caso de ensino localmente não presencial, relativamente a uma sala de aula ou demais dependências de uma instituição de ensino. Livros têm colaborado no processo de ensino há milênios. E livros permitem o acesso ao conhecimento sem (necessariamente) contato pessoal com instituições, professores ou mesmo autores.

Se um professor ou mesmo uma instituição emprega ferramentas da internet ou de demais veículos de telecomunicações para fins educacionais, está apenas estendendo as técnicas pedagógicas usuais de aulas expositivas em sala. Nada além disso. Analogamente, os próprios veículos de telecomunicações apenas estendem a capacidade de comunicação para distâncias maiores.

A suposta globalização promovida pela internet é mais um sonho do que uma realidade, enquanto não forem promovidas mudanças culturais significativas em escala global. A internet continua impregnada por divisas culturais e até mesmo geográficas. E tais divisas persistem porque a natureza humana reage lentamente às novidades tecnológicas. Isso significa que mesmo a internet não tem conseguido vencer distâncias de forma socialmente significativa, pelo menos por enquanto. Recentemente, por exemplo, foi noticiado que o Ministro da Educação de Cabo Leste declarou que menores de vinte e um anos não têm direito algum. Quais são os reflexos deste tipo de notícia em escala global? Quem, no Brasil, na Alemanha ou no Caribe, é afetado de forma significativa por esta afirmação irresponsável do Ministro da Educação de um país que muitos sequer sabem onde fica? Se uma pessoa residente no Brasil se mostra indignada com esta abominável declaração, corre o risco de ser julgada pelos amigos de suas redes sociais como um mero chato. Sempre existem aqueles "chatos" da internet que defendem a preservação e o bem-estar de elefantes na Índia. Mas por que essas pessoas são consideradas chatas em um país como o nosso? Simplesmente porque o Brasil é uma nação que não enfrenta qualquer problema grave com elefantes. Analogamente, no caso de movimentos sociais a favor de direitos aos homossexuais, raramente percebemos ativistas que não sejam homossexuais ou que, pelo menos, não sejam amigos ou parentes de homossexuais. 

Eu mesmo não defendo ativamente nem elefantes e nem homossexuais. Isso porque pertenço ao nicho social da educação matemática brasileira. Estou socialmente muito distante de elefantes e homossexuais, apesar de conhecer inúmeros homossexuais em meus círculos sociais. Infelizmente, o mesmo não posso dizer sobre elefantes. Mas o  mínimo que posso fazer a respeito dessas causas é tomar conhecimento delas e até mesmo discutir, ainda que superficialmente, sobre esses problemas, como estou fazendo aqui neste momento. É uma tentativa de diminuir as distâncias sociais entre diferentes segmentos. Daí o subtítulo deste blog: Matemática e Sociedade. Sempre procuro especializar as postagens para discutir sobre matemática. Mas procuro também estabelecer conexões entre matemática e outras atividades sociais como linguística, medicina, direito, história, psicologia, artes e outras áreas do saber e da cultura mundial. Se em algum momento eu descobrir relações não triviais entre matemática e elefantes ou matemática e homossexuais, certamente divulgarei a respeito desses temas neste blog. 

Comumente convido pessoas para colaborar com depoimentos ou simples artigos para publicação neste fórum. Poucos são os que recusam os convites. Menos ainda são aqueles que efetivamente colaboram, apesar de aceitarem. Mas os textos escritos por colaboradores fazem parte de uma estratégia para minimizar distâncias. Já cheguei a publicar neste blog até mesmo textos de colaboradores cujas opiniões conflitam com as minhas. Mas isso não é relevante. O relevante é diminuir distâncias. Assim temos mais chances de conquistar uma sociedade justa. Aqueles que odeiam homossexuais, matemática ou elefantes são comumente pessoas que não têm ideia do que é homossexualismo, matemática ou um elefante. 

Já fiz incisivas críticas à estabilidade irrestrita concedida a professores de universidades públicas em nosso país. No entanto, na enquete promovida neste blog e que será encerrada daqui a 77 dias, alguns votaram a favor da estabilidade irrestrita. Posso ser radicalmente contra essa opinião, mas não consigo deixar de admirar a postura dessas pessoas. Isso porque elas conseguem ler um blog que divulga ideias absolutamente conflitantes com seus valores pessoais. Portanto, essas pessoas não se deixam intimidar por distâncias ideológicas. São indivíduos que parecem compreender algo essencial a respeito do papel unificador originalmente proposto por criadores e mantenedores da internet. São pessoas que não se afastam ou temem aqueles que discordam delas. Aquele que adota uma ideologia e restringe seus círculos sociais somente a colegas e amigos que pensam de forma parecida é uma pessoa socialmente isolada. E o isolamento social não é uma postura inteligente. 

Muita gente discute as vantagens e as desvantagens do "ensino a distância" sem se dar conta do que realmente está acontecendo. Décadas atrás o Brasil discutia fervorosamente se deveria adotar o divórcio como forma legal de separação de um casal. Hoje o divórcio é uma realidade corriqueira. Com o ensino a distância algo semelhante ocorre. Enquanto pedagogos, dirigentes, professores e cidadãos em geral discutem os méritos e os supostos perigos do "ensino a distância", esta modalidade de ensino já é uma realidade. Já existem milhares de serviços desta natureza oferecidos via internet e outras mídias. O antigo Projeto Minerva, surgido antes da popularização da internet, já era uma forma de ensino a distância oferecido aqui no Brasil. 

Neste blog mostrei a péssima qualidade de um dos serviços de "ensino a distância" recentemente criados. Aos poucos tenho estudado a respeito de outros. Mas também já mostrei exemplos de livros de matemática com qualidade questionável. Ou seja, o que deve ser discutido não são as vantagens do "ensino a distância" em relação a outras modalidades de educação. As vantagens já estão mais do que claras. O "ensino a distância" viabiliza uma forma economicamente mais viável de educar. Além disso, é um agente socialmente unificador que, talvez, em algum futuro distante, consiga democratizar o direito à educação. Isso poderá ocorrer principalmente a partir do momento em que se apresente alguma solução que concilie o direito à educação com o direito à propriedade intelectual. Por enquanto, os sites mais relevantes do ponto de vista científico são, em sua maioria, pagos. E custam muito caro. O material de estudos disponibilizado gratuitamente na internet é ainda muito primário, salvo raras exceções. 

O que realmente interessa discutir são as desvantagens do "ensino a distância" como opção dominante e, principalmente, a qualidade de ensino. A distância espacial promovida pelo aprendizado via internet, por exemplo, pode agigantar de forma muito perigosa a distância emocional entre mestre e discípulo. Além disso, muito do que aprendi com certas pessoas em salas de aula, em conversas telefônicas, em trocas de e-mails ou em diálogos na hora do cafezinho, jamais eu poderia encontrar em algum site, mesmo que fosse mantido por alguma das melhores universidades do mundo. 

Quem limita seu aprendizado aos conteúdos expostos na internet age de forma tão tola quanto aquele que se escraviza aos conteúdos de um só livro. Educação de qualidade ocorre em vastas redes sociais, nas quais a internet é apenas uma das componentes. As palavras-chave são duas: diversidade e senso crítico. 

Todo aquele que estuda precisa de diversidade de experiências intelectuais: leitura de livros, acesso à internet, diálogos com pessoas que compartilham dos mesmos interesses (mas não das mesmas opiniões), estudos individuais etc. E todo aquele que estuda precisa exercitar seu senso crítico. Durante toda a minha vida acadêmica conheci uma única pessoa com apurado senso crítico. Ou seja, não é fácil analisar criticamente o conhecimento. A busca pelo senso crítico é como a busca pelo horizonte. Podemos ver que ele está lá. Mas jamais o alcançamos, por mais que tentemos. Mesmo assim é uma meta fundamentalmente necessária. 

Enfim, o "ensino a distância" não mudará o fato de que sempre existirão profissionais da educação medíocres. E nem mudará o fato de que, enquanto houver civilizações humanas, existirão centros de excelência com avançada produção intelectual.



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