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Educação

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Hoje este blog completa cinco anos de existência e, por isso, escrevo uma postagem motivada por extensas discussões que tive ao longo de anos com muitas pessoas, tanto via internet e telefone quanto presencialmente. 

Usualmente escrevo postagens recheadas com links que remetem a referências ou outros textos publicados neste site. Mas aqui sigo um caminho diferente. O único link que pretendo explicitar é aquele que direciona ao leitor ou a alguém que o leitor conheça.

Em meio a discussões acaloradas sobre educação, política partidária ou até mesmo modos de conduta da vida pessoal, ficam patentes algumas características sobre interlocutores. E essas características parecem girar em torno de um persistente conflito entre liberdade e isolamento; lembrando que isolamento é sinônimo de encarceramento, neste contexto.

Existem pessoas muito abertas (livres) intelectualmente, mas muito fechadas (encarceradas) no âmbito de relações pessoais em grande escala. E existem pessoas muito abertas em processos de socialização, mas intelectualmente isoladas. E quando indivíduos de diferentes perfis começam a discutir entre si, comumente ocorrem conflitos difíceis de serem administrados ou sequer compreendidos entre as partes interessadas.

Espero que o leitor se esforce para compreender o que sugiro aqui. Apesar de nosso país ter recentemente passado por uma batalha de discursos provocada por um polêmico processo eleitoral, não estou me referindo exclusivamente a isso. Mas admito que esta postagem é parcialmente motivada pelos últimos acontecimentos na vida política de nossa nação. 

O que é abertura intelectual? É a capacidade de honestamente reconhecer a legitimidade de múltiplas formas de pensamento, sejam científicas, artísticas ou meramente intuitivas. Paradoxalmente, a abertura intelectual demanda elevado senso crítico. E uma condição necessária, porém não suficiente, para cultivar elevado senso crítico é o estudo aprofundado de diferentes áreas do saber. No entanto, estudo aprofundado não se limita a meras leituras e reflexões, mas exige a produção de conhecimento inédito, relevante e sólido, devidamente compartilhado e discutido com especialistas nas respectivas áreas. Somente a familiaridade íntima com múltiplas formas de pensamento pode preparar um indivíduo para uma postura de abertura intelectual. Para uma pessoa intelectualmente aberta não existem áreas do saber que ela não goste. Existem sim áreas que ela não conhece, mas que reconhece que precisa saber, ainda que esta meta seja impossível de ser alcançada. Para aqueles que duvidam da possibilidade da existência de pessoas intelectualmente abertas, devo dizer que eu mesmo já conheci dois ou três indivíduos assim, tanto no Brasil quanto no exterior. Portanto, abertura intelectual não é uma utopia.

O que é isolamento intelectual? É a postura de que no mundo das ideias existe uma clara distinção entre o certo e o errado, entre o verdadeiro e o falso, entre racionalidade e fé, entre ciência e pseudociência, entre amigo e inimigo, entre heterossexual e homossexual, entre etnias branca e negra, entre analfabeto e alfabetizado, entre aquilo que se precisa e aquilo que se deseja, entre inteligência e estupidez. O isolamento intelectual não permite inferir mais de uma interpretação para um texto ou uma ideia, e cria obstáculos para a compreensão de sutilezas. A pessoa intelectualmente isolada é dominada por certezas, convicções, tornando-se inflexível mesmo diante de argumentos bem articulados. Ironicamente, isolamento intelectual é a postura que assume a existência de uma clara distinção entre a pessoa intelectualmente isolada e aquela que é intelectualmente aberta. E é neste ponto que reside a considerável dificuldade para escrever um texto como este. Uma pessoa que afirma ser intelectualmente aberta, sugere em suas palavras que provavelmente não o é, pois falta-lhe auto-crítica. E uma pessoa que afirma ser intelectualmente isolada, demonstra que essa afirmação não pode ser verdadeira, por conta de exagerada auto-crítica. 

O que é abertura social? É a capacidade de um indivíduo honestamente promover ações relevantes e construtivas do ponto de vista social, com pessoas que defendem ideias ou ideais radicalmente diferentes daquilo que tal indivíduo advoga. Um exemplo bem conhecido de abertura social é a colaboração entre cientistas, Estado laico e organizações religiosas em programas sociais. Se igrejas, mesquitas ou sinagogas colaboram com um Estado laico em programas de combate à fome e à miséria sem usarem esta oportunidade para fins de doutrinação religiosa, e se o Estado colabora nos mesmos programas sem tirar proveito para fins de propaganda política, temos assim um exemplo de abertura social. Para aqueles que duvidam da possibilidade de tais colaborações, devo dizer que eu mesmo já testemunhei ações dessa natureza fora do Brasil. E essas ações foram patrocinadas por igrejas. Portanto, abertura social não é uma utopia.

O que é isolamento social? É a postura na qual elogios não são bem-vindos e ofensas são ignoradas. É a postura na qual discussões presenciais são evitadas ou tempestivamente interrompidas, quando ocorrem opiniões divergentes. Um indivíduo socialmente isolado pode até mesmo debater suas ideias na internet, pois expõe apenas parte delas. Isso porque ideias não ficam evidentes simplesmente por meio de discursos, mas também por ações que nem sempre transparecem via internet. Até mesmo uma simples expressão facial pode denunciar se alguém está mentindo ou falando o que realmente pensa, enquanto que um simples texto escrito dificilmente tem esse papel revelador. E pessoas socialmente isoladas raramente expõem de forma clara o que sentem e pensam. Uma pessoa pode ser socialmente isolada por vários motivos: por sentir que raramente é compreendida, por conta da maneira como foi criada durante infância e adolescência, por influência de traumas de ordem psicológica, por conta de um quadro clínico ou por simples indiferença em relação a pessoas em geral. Uma pessoa socialmente isolada pode até ser bem sucedida em uma atividade profissional que exija muito contato humano, desde que ela abrace uma profissão na qual naturalmente ela deva ser ouvida, mas que não tenha a obrigação de ouvir. Docência é o exemplo mais marcante de atividade dessa natureza.

Em um primeiro momento quero propor um modelo comportamental de casos extremos de isolamento e abertura nos âmbitos social e intelectual. Provavelmente a maioria das pessoas se enquadra em estágios intermediários entre esses casos extremos. Ou seja, nem todo mundo é totalmente incapaz de socialização, assim como nem todo mundo é absolutamente incapaz de contemplar ideias novas. Mas existem pessoas que são facilmente identificáveis como casos que beiram esses extremos e, por isso, são frequentemente percebidas com estranheza. Portanto, se você não se identificar com qualquer uma dessas categorias é porque provavelmente se localiza em algum lugar nos tons cinzentos que separam os casos extremos.

Primeiro grupo. Como se comporta uma pessoa aberta dos pontos de vista intelectual e social? Este é um perfil muito raro. O matemático húngaro John von Neumann foi um exemplo de pessoa com essa rara índole. Foi um cientista extraordinariamente inovador em diferentes áreas do saber (portanto, de mente muito aberta) e altamente sociável. Pessoas desse grupo podem facilmente se tornar lideranças bastante confiáveis. E aqueles que são liderados por pessoas com este perfil apresentam uma tendência natural a se tornarem melhores tanto do ponto de vista pessoal quanto intelectual. Pessoas abertas dos pontos de vista intelectual e social naturalmente deixam uma trilha de bem estar por onde passam. São elas uma espécie de horizonte que deve servir de inspiração para aqueles que buscam por aperfeiçoamento pessoal. Possivelmente por conta disso que alguns amigos de von Neumann se referiam a ele como o próximo passo da evolução humana. 

Segundo grupo. Como se comporta uma pessoa intelectualmente aberta, mas socialmente isolada? É um indivíduo que promove marcantes relações pessoais com um reduzidíssimo grupo de pessoas, pois o contato com muita gente provoca grande desgaste emocional. Tal desgaste ocorre justamente por sua dificuldade (ou incapacidade) de vencer seu isolamento social. Mas, por conta da abertura de sua intelectualidade, tende a admirar indivíduos socialmente livres. Comumente é tida como uma pessoa grosseira, indelicada. Isso porque esse indivíduo ingenuamente julga que suas ideias são compreensíveis para qualquer pessoa que se disponha a refletir. E, ao falar o que pensa, expõe com certa facilidade falhas de caráter identificadas em indivíduos que temem essa exposição.

Terceiro grupo. Como se comporta uma pessoa intelectualmente fechada, mas socialmente aberta? Pessoas socialmente abertas são honestas por natureza. Mas a limitação intelectual as coloca em uma situação de grande desconforto, pois elas sentem que têm pouco a oferecer em seus meios sociais. Portanto, quando abraçam carreiras tradicionalmente intelectuais, tendem a defender suas posturas com incisividade. Elas defendem princípios de lealdade, não abrindo espaço para mudanças de ideias. Costumam interromper a fala de outras pessoas e erguer a voz, para impor suas crenças. E frequentemente sofrem até mesmo em suas relações sociais até então bem sucedidas, apesar de comumente serem admiradas por muitos. Alimentam-se de elogios e se ressentem gravemente com ofensas. 

Quarto grupo. Como se comporta uma pessoa fechada intelectual e socialmente? Este é um indivíduo potencialmente muito perigoso. Existem duas situações sociais possíveis para uma pessoa assim: a situação Unabomber (que, aliás, era matemático) e aquela na qual o indivíduo se reúne com outros de mesma índole para constituir células sociais organizadas. Vemos exemplos dessa natureza em seitas que defendem preceitos radicais ou até mesmo partidos políticos com ideologias que não se sintonizam com qualquer realidade social. A situação Unabomber é aquela em que o equilíbrio emocional é tão instável, que basta uma pequena perturbação para desencadear terríveis atos de violência extrema aparentemente gratuita. Já a segunda situação pode ser facilmente confundida com grandes habilidades de socialização. No entanto, grupos de pessoas fechadas nos âmbitos intelectual e social costumeiramente querem beneficiar apenas a si mesmas em detrimento daqueles que pensam e agem de forma diferente. São pessoas que fervorosamente alimentam noções ingênuas sobre lealdade, igualdade social e justiça, e maldizem todos aqueles que pensam e agem de maneira muito diferente, os quais frequentemente são rotulados de forma pejorativa como membros de elites.

Assumindo que o quadro acima descrito seja real, como promover um convívio social pacífico e construtivo entre as pessoas em geral? Entre os quatro grupos extremos apontados, somente o último é genuinamente perigoso. Os demais até podem ser responsáveis por atritos e desencontros. Mas o único grupo que pode desestabilizar uma sociedade a ponto de destruí-la é o último. Pessoas isoladas dos pontos de vista intelectual e social precisam de uma educação diferenciada, que respeite suas limitações cognitivas e emocionais. Elas precisam de uma educação inclusiva que tenha como meta a real inserção delas na sociedade. Caso contrário, é o equilíbrio da sociedade que tende a ser instável. No entanto, a má notícia é que o quarto grupo não tem despertado qualquer atenção entre autoridades. Afinal, indivíduos do quarto grupo ainda são tidos como pessoas normais.



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