Educação
Passe Livre, ECA e Outros Direitos Insanos
Logo após a Segunda Guerra Mundial, em função de recentes atrocidades cometidas contra a humanidade, a Assembleia Geral das Nações Unidas publicou a Declaração dos Direitos Humanos. Baixando da internet, em formato Word, este documento apresenta nove páginas. Em 1990 a Presidência da República de nosso país sancionou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) na forma de lei. Baixando da internet, no mesmo formato mencionado acima, este documento apresenta cento e quarenta e duas páginas.
Esta é uma primeira indicação de que a sociedade brasileira não tem maturidade suficiente para lidar com o conceito de direito. Para explorar melhor esta ideia, recomendo ao leitor que leia cuidadosamente os dois documentos e tire suas próprias conclusões a partir da comparação entre ambos, bem como da comparação entre o ECA e a realidade.
Para fins de estímulo a esta recomendação, apresento três exemplos ilustrativos da imaturidade brasileira para lidar com direitos humanos. Esta imaturidade chega a criar situações ridículas, como o fato do ECA violar a Declaração dos Direitos Humanos.
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente:
1) Crianças e adolescentes têm (Parágrafo único, Artigo Quarto) "primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias". Portanto, as companhias aéreas deste país desrespeitam a lei. Afinal, as instruções dadas aos passageiros são bem claras. Em caso de despressurização da cabine, as máscaras de oxigênio devem ser usadas primeiramente pelos adultos e somente então oferecidas às crianças. Apesar dessas instruções das companhias aéreas serem sensatas, isso não muda o fato de caírem em contradição com o ECA.
2) Crianças e adolescentes têm (Parágrafo único do Artigo Quarto) "precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública." Logo, inúmeros estabelecimentos públicos desrespeitam a lei. Isso porque a prática mostra que a preferência, quando existe, é dada a idosos e deficientes físicos, mas não a crianças e adolescentes. Além disso, este artigo quarto desrespeita a Declaração dos Direitos Humanos, segundo a qual (Parágrafo 2, Artigo XXI) "Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país."
3) (Artigo Quinto) "Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais." Portanto, o governo federal e governos estaduais não cumprem a lei. Isso ocorre, por exemplo, por conta dos programas de cotas raciais em universidades públicas, os quais são evidentes casos de discriminação dirigida tanto aos beneficiados (negros e pardos) quanto aos prejudicados (demais etnias).
Uma das estratégias usadas para não ficarem tão evidentes as inconsistências do ECA aparece no próprio estatuto: (Artigo Sexto) "Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento."
Em outras palavras, a aplicação da lei depende do contexto social presente, o qual, naturalmente, é muito difícil de determinar. Portanto, fica a questão: "Qual é o real propósito do ECA?"
Se levarmos em conta o atual sistema educacional de nosso país, podemos facilmente interpretar o ECA como poderosa ferramenta para combater avaliação escolar. Isso porque uma reprovação resultante de uma avaliação de uma criança ou adolescente pode ser entendida como forma de opressão. E tal interpretação tem se identificado com a prática, levando em conta as atuais políticas de aprovação em massa em nossas escolas públicas. Além disso, distinguir bons alunos daqueles que têm desempenho medíocre é uma forma de discriminação.
Enquanto o século 20 se caracterizou, entre outras coisas, como um período de transição entre crimes hediondos contra a humanidade e o reconhecimento de direitos humanos básicos, o século 21 está se caraterizando por crimes hediondos contra os deveres sociais de cada cidadão. O discurso dos direitos humanos está se transformando em base de sustentação social para o mais puro egoismo.
A condição humana, ao longo de história, sempre foi definida por conquistas. Nossos ancestrais jamais tiveram a chance de dialogar com vulcões, terremotos, enchentes, eras glaciais ou animais selvagens. Nossos ancestrais conquistaram direitos estabelecidos por eles próprios. E insisto no verbo: conquistaram!
Até mesmo a Declaração de Direitos Humanos estabelece que (Parágrafo 1 do Artigo XXVI) "A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito." Ou seja, enquanto alguns direitos são universais (como instrução técnico-profissional) outros devem ser conquistados por mérito (como a instrução superior).
Os direitos universais de hoje devem ser (somente) aqueles que herdamos como direitos conquistados com muita luta por nossos antepassados. Certamente no futuro teremos que revisar tais direitos universais. Mas avanços sociais significativos não podem ser impostos de forma atropelada por leis sem contato com a realidade. O que motivou a Declaração dos Direitos Humanos foi a Segunda Guerra Mundial, um conflito sangrento marcado por genocídio, do qual o Brasil participou de forma ridícula. E qual foi a motivação social para o ECA?
O direito universal mais importante que temos nos dias de hoje é aquele que se refere à educação básica, aquela que antecede estudos superiores. A partir do momento em que são impostos artificalmente (sem qualquer contexto social relevante) direitos que comprometem qualidade da educação básica, certamente estamos destruindo o que ancestrais nossos construiram com muito sacrifício e derramamento de sangue.
As atuais gerações são cada vez mais ignorantes sobre o passado da humanidade. E esta ignorância se espalha pela linha do tempo como um efeito dominó, comprometendo a qualidade de vida de cada um no futuro.
Chega de direitos novos! O acesso à educação básica já é um direito universal. A escravidão já é condenada no documento da ONU. O direito à saúde já é universal, bem como os direitos ao bem estar, ao lazer, a vestuário, a habitação e a serviços sociais diversos. E, apesar desses direitos universais serem reconhecidos há décadas, ainda não são colocados em prática em inúmeras nações espalhadas pelo mundo, incluindo o Brasil.
Quem quiser direitos especiais, que lute por eles. Mas lute como cidadão e não como engrenagem para um movimento social de larga escala. É a partir do processo educacional que o indivíduo consegue se armar para conquistar novos direitos.
O Brasil está se transformando em uma insustentável piscina de direitos gratuitos, sem mérito. Estudantes exigem passe livre, governo federal concede bolsas para quem não produz, indivíduos têm tratamento especial em função da cor da pele. Isso não é avanço social. Isso é imaturidade. Uma imaturidade cujo preço no futuro será muito alto. Direitos concedidos sem um contexto social relevante o bastante para justificá-los é apenas um fator de enfraquecimento humano. Isso porque em um mundo dominado por direitos, quem vai sobrar para atender a todos?
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