Educação
O que há de errado com as instituições privadas de ensino superior?
Educação é responsabilidade do Estado? Sim. Mas este saber comum tem sido gravemente distorcido por representantes do ensino superior da iniciativa privada de nosso país. Isso porque educação não é responsabilidade apenas do Estado, mas de todos nós.
Recentemente publiquei na página Facebook deste blog que a Universidade Stanford, referência mundial em termos de ensino superior e pesquisa, é uma instituição privada sem fins lucrativos, com orçamento de cinco bilhões de dólares e isenta de tributação federal. Pois bem. Em nossa nação, instituições educacionais sem fins lucrativos também são imunes do imposto sobre a renda, como ocorre nos Estados Unidos, país que abriga Stanford. No entanto, órgãos como o Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (SEMESP) frequentemente reclamam da carga tributária incidente sobre universidades privadas. Neste link o leitor pode acessar uma simulação promovida pelo próprio SEMESP em uma instituição hipotética com 500 alunos, na qual o lucro líquido é de apenas 6,06%, diante de uma tributação de 15%. E como o imposto de renda pode atingir até 30% do montante tributável, isso restringiria muito mais a margem de lucro.
Mas o que mais perturba em um órgão como o SEMESP é o parecer de seu presidente, Hermes Ferreira Figueiredo, que afirma: "A carga tributária do Brasil é uma das mais altas do mundo. As garantias de educação e saúde, que são responsabilidades do Estado, ainda deixam a desejar."
Bem, se um empresário deseja lucro, por que trabalhar com educação? O lucro real da educação não é financeiro, mas social. Educação é responsabilidade sim do Estado, mas não apenas do Estado. Existe alguma universidade privada em nosso país que se aproxime de Stanford em termos de qualidade de produção de conhecimento? Não, claro que não. E por quê? Porque os empresários que administram as universidades privadas de nosso país não demonstram o mais remoto interesse nem por educação e nem por pesquisa. Se querem lucro, que vendam papel higiênico. Papel higiênico é um bem necessário em qualquer país civilizado, apesar de substituível por outras formas de papel. Mas educação não pode ser tratada da mesma forma. Educação é uma responsabilidade da sociedade como um todo, incluindo empresários.
Por que lucrar com educação? Não bastam salários compatíveis com as funções exercidas? Por que alimentar o desejo de ganhar fortunas com educação, se existem inúmeras outras formas de investimento para buscar lucros? Educação e saúde jamais deveriam ser encarados como oportunidades de lucro. Isso porque nenhuma sociedade se sustenta sem saúde e educação.
Somente no ano fiscal de 2013-2014 a Universidade Stanford arrecadou quase um bilhão de dólares a partir de 82.300 doadores. Por quê? Porque esta universidade beneficia e é beneficiada por toda uma comunidade local e internacional que deseja ver esta instituição crescendo mais ainda em termos de influência e não de tamanho. E as universidade privadas de nosso país? Quais são os benefícios reais delas às comunidades locais e internacionais?
Certamente existem muitas instituições privadas de ensino superior no Brasil que promovem programas sociais relevantes. Mas qual seria o alcance de tais programas se essas instituições abrissem mão de seus lucros e fossem gerenciadas por comissões formadas por representantes dos principais segmentos sociais diretamente envolvidos, como ocorre em Stanford? Por um lado, o fim do lucro aumentaria consideravelmente a receita dessas instituições e, por outro, estimularia várias pessoas físicas e jurídicas a fazerem generosas doações, como forma de agradecimento. Não seriam apenas as pessoas institucionalmente vinculadas que vestiriam a camisa da instituição, mas também demais membros das comunidades local e internacional.
Outra consequência natural do fim dos lucros seria a oferta de salários competitivos para professores, o que permitiria a contratação dos melhores docentes e pesquisadores. E, claro, haveria mais verbas para pesquisa e programas sociais.
Ou seja, pelo menos do ponto de vista tributário, há espaço para a criação e/ou manutenção de universidades privadas de destaque internacional em nosso país. Resta apenas saber se há espaço do ponto de vista social. Menos de 14% dos jovens bolsistas do Programa Ciência Sem Fronteiras do Governo Federal estão nas cem melhores universidades do mundo, de acordo com critérios da Times Higher Education. Ou seja, mesmo recebendo bolsas de estudos, nossos alunos de ensino superior ainda demonstram incompetência ou medo, quando o assunto é excelência. Por que, no início do Ciência Sem Fronteiras, tantos jovens procuraram instituições portuguesas? Por conta de dificuldades para lidar com idiomas estrangeiros. Isso é covardia e incompetência.
O que há de errado com as instituições privadas de ensino superior de nosso país? É o mesmo que há de errado no país inteiro: falta-nos visão, ambição e ousadia. Afinal, o que querem os empresários da rede privada de ensino superior? O objetivo é ganhar mais, fazendo menos; ou fazer mais e melhor, ganhando um salário digno?
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