Educação
Matemática elementar desacreditando paranormalidade
Apesar de ser um episódio bem conhecido na literatura, percebo que muitas pessoas ainda ignoram o caso de Emily Rosa, o qual é inspirador sob diversos pontos de vista.
Como atividade para a feira de ciências da quarta série, Emily Rosa apresentou resultados de uma pesquisa que realizou aos nove anos de idade (em 1996) e posteriormente publicou no Journal of the American Medical Association, a convite do próprio editor, George Lundberg.
Rosa não demonstra ser um gênio precoce. E ainda assim se tornou a pessoa mais jovem a publicar um artigo científico em um periódico de medicina, deixando claro que ciência de boa qualidade nem sempre exige o domínio de conhecimentos científicos avançados.
A principal ferramenta dela foi o emprego adequado de noções elementares de teoria de probabilidades, algo que aquela garota parecia conhecer melhor do que a maioria de nossos professores de matemática.
Rosa queria saber se há suporte racional para a alegação de certas pessoas de que são capazes de sentir o "campo energético humano". Em várias partes do mundo (talvez em todos os países) existe a prática do diagnóstico e cura de doenças através das mãos. Entre essas pessoas há, inclusive, enfermeiras que trabalham em hospitais. Especificamente os praticantes do chamado toque terapêutico alegam que sequer precisam encostar nas mãos do enfermo, pois sentem o tal do campo energético a pequenas distâncias. E esse campo energético é percebido em qualquer pessoa, seja enferma ou sadia.
O aparato de teste da garota de nove anos era simples. Sobre uma mesa foi colocada uma tela (para impedir contato visual entre sujeito de teste e Rosa), com dois orifícios na parte de baixo. De um lado da mesa estava sentada Rosa. Do outro, o praticante de toque terapêutico. Este colocava suas mãos nos orifícios, com as palmas para cima. Rosa jogava uma moeda, para decidir sobre qual das mãos do praticante ela colocaria a sua. Em seguida, finalmente aproximava a mão daquela determinada ao acaso pela moeda e perguntava ao praticante em qual das mãos ele sentia o campo energético de Rosa. Dezenas desses praticantes foram testados em várias ocasiões. Mas todos os índices de acerto podem ser explicados a partir de mero acaso. Ou seja, não há fundamentação ou justificativa que suporte a percepção do campo energético humano. Consequentemente, não há apoio racional também para a cura pelo toque.
Algo semelhante já foi feito com estudos sobre a eficácia da homeopatia, a qual comumente encontra casos de curas que se enquadram nas mesmas estatísticas de efeito placebo.
O impacto do trabalho de Rosa foi imenso, sendo citado em mídias como Nature, Discovery Channel, New York Times e até no site imdb (especializado em cinema).
O que podemos aprender com este caso?
1) Ciência de qualidade é uma atividade cultural ao alcance de qualquer interessado. Por isso, rogo aos professores que citem este caso para seus pupilos. É uma apaixonante forma de estímulo.
2) Ainda existem questões fundamentais que não foram respondidas pela ciência simplesmente porque não há gente trabalhando nelas. Há muito mais dúvidas não respondidas pela ciência do que cientistas ou pesquisadores em busca de respostas.
3) Ciência é fundamental para avaliar de maneira sensata crenças populares em mediunidade, telepatia, precognição, telecinesia, vida após a morte, contatos com extraterrestres, homeopatia, medicina ortomolecular, programação neurolinguística, visões divinas, astrologia e demais modismos culturais do momento.
4) A comunidade científica deve sair do casulo no qual frequentemente se trancafia e abrir os olhos para talentos nos lugares mais inesperados. Ciência não se faz apenas em um laboratório ou escritório. Universidades e centros de pesquisa devem estender sua influência para a sociedade como um todo. Afinal, se não fosse pela iniciativa de Lundberg, o trabalho de Rosa teria se resumido a algo apenas bonitinho para familiares e amigos.
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