Probabilidades no Ensino Médio
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Probabilidades no Ensino Médio



Noções sobre probabilidades são lecionadas no ensino médio de nosso país. Portanto, esta é outra fonte de frustrações para os jovens. E algumas das principais tolices que se ensinam nessa área é resultante de uma confusão entre formalismo matemático e mundo real.

Se for impossível a ocorrência de um evento, é razoável afirmar que sua probabilidade é 0 (zero por cento). Se for certa a ocorrência de um evento, é igualmente racional dizer que sua probabilidade é 1 (cem por cento). Mas podemos afirmar que probabilidade nula se traduz como a impossibilidade de ocorrência de um evento? Analogamente, podemos afirmar que probabilidade 1 (100%) corresponde à certeza de que o evento correspondente irá acontecer? Além disso, qual é a garantia que podemos dar em relação à certeza de ocorrência ou não ocorrência de um evento?

Probabilidade é um conceito de uma teoria matemática. E quando se fala na certeza de ocorrência ou não ocorrência de um evento, está sendo feita uma interpretação de tal teoria no âmbito do mundo real. As confusões que são feitas entre matemática e mundo real são assustadoras e têm gerado inúmeros preconceitos e erros na literatura e em sala de aula.

Imagine, por exemplo, um alvo circular de raio não nulo sobre o qual são arremessados dardos ideais; ou seja, dardos que marcam pontos com área nula sobre o alvo. Imagine também que a distribuição de probabilidades sobre o alvo seja uniforme, de tal modo que a probabilidade de se acertar uma região do alvo é calculada apenas pela razão entre a área dessa região e a área do alvo. Isso significa que para acertar um ponto qualquer do próprio alvo, devemos dividir a área deste pelo mesmo valor, o que resulta em 1. Ou seja, a probabilidade de se acertar um ponto qualquer do alvo é de 100%. Se dividirmos o alvo em duas metades, a probabilidade de se acertar um ponto qualquer de uma das metades é 0,5 (50%). Isso porque qualquer metade do alvo tem área correspondente à metade da área total do alvo.

No entanto, qual é a probabilidade de se acertar um ponto específico do alvo? Sabendo que um ponto escolhido tem área nula, a probabilidade é calculada como sendo zero dividido pela área do alvo, o que resulta em zero (0%). Ao se arremessar um desses dardos imaginários, ele eventualmente acertará algum ponto. E este ponto é tal que a probabilidade de ser acertado é nula. Ou seja, os dardos acertarão pontos cujas probabilidades de serem acertados é zero. Portanto, probabilidade zero não pode ser traduzida como a impossibilidade de ocorrência de um evento, pelo menos não no plano intuitivo do que entendemos como ocorrência de um evento.

É claro que estamos falando de dardos ideais, que marcam pontos e que, a princípio, não existem no mundo real. Afinal, dardos reais não marcam pontos, mas pequenos orifícios com área não nula, ainda que pequena (em comparação com a área do alvo).

Porém, mesmo no mundo real há demonstrações de que probabilidade nula não implica em impossibilidade de ocorrência de um evento.

Considere, para fins de ilustração, um simples jogo de cara e coroa, com uma moeda. Se assumirmos que a moeda arremessada é não-viciada, é senso comum considerar que a probabilidade de se obter cara em uma jogada é 0,5 (50%). Em contrapartida, a probabilidade de se obter coroa também é 0,5, pois cara e coroa são fenômenos complementares. A probabilidade de se obter cara ou coroa é de 0,5 + 0,5 = 1 (100%). Portanto, qualquer outra ocorrência tem probabilidade nula.

Mas há casos, muito raros, em que a jogada da moeda não resulta em cara ou coroa. Isso porque ela cai “em pé”, ficando imóvel em uma posição vertical relativamente ao solo. Temos assim uma ocorrência cuja probabilidade era nula. Ainda que alguém queira fazer um ajuste nessa experiência, jogando muitas vezes a mesma moeda e obtendo o número de ocorrências de cara, coroa e resultados atípicos, como o caso em que a moeda cai “em pé”, esse alguém estará dando uma interpretação frequencial ao jogo de cara e coroa. Vale lembrar que a interpretação frequencial, neste caso, é aquela que considera que uma probabilidade é calculada a partir de muitas experiências realizadas (no mundo real).

Toda função de probabilidade tem como domínio uma sigma álgebra que pode ser intuitivamente interpretada como um conjunto de eventos reais. Um dos problemas da interpretação física de probabilidade é a determinação dessa álgebra de eventos possíveis. Por exemplo, no jogo de cara e coroa, devemos levar em conta o evento atípico “ficar em pé”, no universo de possíveis resultados? Outra dificuldade é a definição da função de probabilidade em si. Ou seja, como garantir que uma moeda não é realmente viciada?

O quê a teoria de probabilidades determina de maneira inequívoca é o comportamento matemático geral da função de probabilidades, e não propriamente a sua forma específica e explicitamente dada, por exemplo, por algum tipo de algoritmo. Por exemplo, nenhuma probabilidade pode ser menor do que zero ou maior do que um. Essa propriedade é muito geral e permite a existência de uma vasta gama de funções que a satisfazem. As outras propriedades usualmente consideradas também não permitem a definição de uma função única de probabilidades, mesmo que consideremos o mesmo universo de eventos.

A atribuição de probabilidades em uma álgebra de eventos reais, do mundo físico, pode ser uma tarefa muito ingrata. Afinal, ao afirmarmos que a probabilidade de se obter cara é 0,5, o quê queremos dizer com isso? Queremos dizer que após dez milhões de jogadas, exatamente cinco milhões resultarão em cara? Mas dez milhões é um número que está longe da quantia total de vezes que podemos arremessar uma moeda, assumindo ainda que tal moeda não ficará desgastada (e, portanto, viciada) durante os arremessos e quedas. Será que uma atribuição de 0,5 para a probabilidade de se obter cara não reflete uma crença de que a moeda não é viciada? Nesse caso, a situação é mais crítica, pois crenças freqüentemente se mostram errôneas. Será ainda que a probabilidade de 0,5 para se obter cara não é uma propensão natural da moeda? Pode até ser, mas quem julga tal propensão? Um ser humano? Deus? Humanos costumam cometer erros, mesmo sem perceberem. E Deus, pelo menos na literatura científica, não tem sido muito citado como confiável fonte.

Como a interpretação física de valores de probabilidades está sujeita a erros de mensuração e erros de julgamento, não há como afirmar que mesmo uma probabilidade nula no mundo físico possa ser inquestionavelmente interpretada como a impossibilidade de ocorrência de um evento real.

Análise análoga vale para o caso de probabilidade um (100%). Isso porque se a probabilidade de ocorrência de um evento é zero, a probabilidade de não ocorrência do mesmo evento é um.
Teoria de probabilidades é um tema altamente não-trivial e demanda especial cuidado. Por exemplo, mencionamos acima algo sobre moedas não-viciadas. Mas o que é uma moeda não-viciada? É aquela na qual a ocorrência de caras, após arremessos, é aproximadamente igual à ocorrência de coroas no mesmo universo de arremessos? A resposta é não. Considere, por exemplo, uma seqüência de arremessos de uma moeda na qual temos o seguinte resultado:

Cara, Coroa, Cara, Coroa, Cara, Coroa, Cara, Coroa, Cara, Coroa, Cara, Coroa, Cara, Coroa, Cara, Coroa, Cara, Coroa, Cara, Coroa, Cara, Coroa, Cara, Coroa, Cara, Coroa, Cara, Coroa, Cara, Coroa, Cara, Coroa.

Temos, neste exemplo, dezesseis caras contra dezesseis coroas. No entanto, esta moeda desperta suspeitas; pois em trinta e dois arremessos, ela tem alternado com precisão seus resultados. Em todas as jogadas ímpares (primeira, terceira, quinta etc.) temos obtido cara, e em todas as jogadas pares (segunda, quarta, sexta etc.) temos obtido coroa. Será que essa moeda é realmente não-viciada? Esse jogo é justo?

O estudo de probabilidades pode ter um importante papel na formação de cidadãos. Se as pessoas conhecessem noções básicas dessa área do conhecimento, não cometeriam erros grosseiros como apostar dinheiro em loterias ou acreditar em depoimentos extraordinários de contato com fantasmas e seres extraterrestres, ainda que vindos de pessoas confiáveis. Este último problema pode ser estudado do ponto de vista de probabilidades condicionais. Para detalhes sobre a importância de probabilidades condicionais no cotidiano e em ciência analisaremos em breve uma situação específica.



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