Consultoria Matemática para Casamentos: Compatibilizando Paixão e Razão
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Consultoria Matemática para Casamentos: Compatibilizando Paixão e Razão




De acordo com a crença popular uma boa decisão é aquela que tem um bom resultado. Tanto é verdade que já vi muita gente ingênua justificando a prática da homeopatia com a alegação de que funciona. No entanto, de acordo com a Teoria das Decisões, a melhor decisão é aquela que se sustenta em bases racionais. 

A Teoria das Decisões se refere a decisões de risco, aquelas que envolvem probabilidades. Devo aceitar a proposta A ou a proposta B? E, neste contexto, vale a regra do valor esperado. Esta estabelece que a melhor decisão é aquela que tem o maior valor esperado. O valor esperado de um ato é a soma dos produtos entre utilidades e respectivas probabilidades. Um exemplo simples, envolvendo loteria, é dado por Ian Hacking, em seu excelente livro An Introduction to Probability and Inductive Logic (Cambridge University Press, 2001). 

Digamos que sua tia ofereça como presente de aniversário um bilhete de loteria, com a condição de que você possa recusá-lo. A decisão a ser tomada é se o bilhete de loteria deve ser aceito ou não. Suponha que a loteria tenha cem bilhetes, com um prêmio de $90 para aquele que for sorteado completamente ao acaso. Caso você aceite o presente, há duas possíveis consequências:

Consequência 1: O bilhete é sorteado. Isso corresponde a uma utilidade de $90, cuja probabilidade de ocorrência é de 0,01 (um por cento). 

Consequência 2: O bilhete não é sorteado. Isso corresponde a uma utilidade de $0, cuja probabilidade de ocorrência é 0,99 (noventa e nove por cento). 

Portanto, o valor esperado do ato de aceitar o bilhete é 


0,01 x $90 + 0,99 x 0 = $0,90 (noventa centavos).

Porém, o valor esperado do ato de não aceitar o bilhete é $0. Isso porque a utilidade em qualquer possível consequência é sempre nula. Logo, como noventa centavos é maior do que $0, a melhor decisão é aceitar o bilhete. 

Ou seja, sendo de graça, devemos aceitar até mesmo injeção na testa? Não. Mas aceitar um bilhete gratuito que pode render um prêmio, essa sim é uma decisão racional.

Este é um problema simples, cujos valores de utilidades e probabilidades de ocorrência podem ser facilmente estimados. Mas e no caso de decisões cujas variáveis são muitas e vagas, como uma proposta de casamento?

A velha anedota que diz "não sei se caso ou se compro uma bicicleta" pode servir bem como ilustração de que é muito mais fácil avaliar a utilidade de uma bicicleta do que a de uma vida a dois. E é também mais fácil estimar (subjetivamente) a probabilidade de se alcançar felicidade com uma bicicleta do que a probabilidade de se conquistar felicidade casando-se com alguém. 

Mas digamos que você, leitor(a), receba uma proposta de casamento. Há duas possíveis consequências: aceitar ou recusar. Como decidir?

Para facilitar a tomada de decisão, recomendo que você empregue uma escala de felicidade (assumindo que a utilidade do casamento seja a felicidade), a qual depende de seu perfil pessoal. Por exemplo, se você for uma pessoa extremamente passional, pode usar uma escala de -100 a 100, na qual 100 corresponde à felicidade absoluta e -100 equivale à mais indescritível miserabilidade, enquanto 0 é simplesmente indiferença. Ou seja, o quão feliz você será se casar com a pessoa que lhe propôs casamento?

Em seguida, avaliando o perfil pessoal de seu par, faça uma estimativa da probabilidade de ser feliz ao lado daquela pessoa ao longo dos anos. 

Exemplifico melhor. Digamos que você esteja absolutamente apaixonado(a) pelo indivíduo X. Neste caso, a utilidade do ato de aceitar a proposta de casamento é 100 (felicidade absoluta). Mas digamos que X tenha várias idiossincrasias com as quais você tenha extrema dificuldade de lidar: X é ruidoso(a) quando dorme, gosta de sair de casa sem dar satisfação, bebe demais, não tolera certas crenças pessoais suas etc. Neste caso, a probabilidade de ser plenamente feliz no casamento é muito pequena, digamos, 0,1 (dez por cento). Portanto, para o ato de aceitar a proposta de casamento poderíamos ter as seguintes consequências:

Consequência 1: Você vive absolutamente feliz ao lado do(a) cônjuge. A utilidade é 100, com probabilidade de 0,1.

Consequência 2: Você vive sob absoluta miséria pessoal. A utilidade é -100, com probabilidade de 0,3 (admitimos que X é esquisito(a), mas não tão esquisito(a) assim).

Consequência 3: Você vive com absoluta indiferença em relação à vida a dois. A utilidade é 0, com probabilidade de 0,6.

Observe que os valores atribuídos neste exemplo são uma avaliação subjetiva. É a parte interessada que deve avaliar quantas são as possíveis consequências e seus respectivos valores de utilidade e probabilidade. Mas lembre-se de que a soma das probabilidades deve ser 1 (cem por cento), assumindo que as consequências sejam excludentes.

Neste exemplo o valor esperado é 


100 x 0,1 - 100 x 0,3 + 0 x 0,6 = -20, 

o que corresponde a uma certa infelicidade, apesar de não muito grande.

Já para o ato de recusar a proposta de casamento, poderíamos considerar que o tempo cura todos os males emocionais. Afinal, as probabilidades estimadas acima também se referem ao futuro distante. Neste caso a parte interessada poderia assumir que sua paixão sumirá algum dia, após um certo tempo afastado de X. Portanto, o valor esperado para o ato de recusar a proposta de casamento seria 0. Vale lembrar que estamos avaliando apenas a felicidade associada ao casamento com X, ignorando outras possíveis fontes de felicidade. Portanto, mesmo que você se julgue incapaz de perder a paixão por X, o fato é que estamos avaliando sua felicidade futura ao lado de X. Sem casamento, não haverá X em sua vida futura.

Como 0 é maior do que -20, fica claro, usando a regra do valor esperado, que a melhor decisão é recusar a proposta de casamento.

Este texto pode parecer uma mera brincadeira, mas garanto que não é o caso. Usei como exemplo ilustrativo o caso de um perfil pessoal de extremos emocionais, aliado a um indivíduo X definido por características pessoais bastante desagradáveis (pelo menos aos olhos de muitos). 

O modelo apresentado acima é uma mera adaptação intencionalmente simplificada de uma ferramenta muito utilizada no mundo. E o emprego de uma escala para felicidade, apesar de subjetivo, também é usual até mesmo em pesquisas de mercado realizadas por empresas especializadas.

Assim como existem mecanismos legais para proteger os direitos de esposas e esposos, podemos também admitir a existência de mecanismos racionais para proteger a felicidade dos indivíduos, ainda que o conceito de felicidade não possa ser racionalmente qualificado. O que se oferece neste breve texto é um modelo matemático muito simples que pode ser adaptado à prática dos relacionamentos humanos. E ainda que uma pessoa use o modelo mas decida exatamente o oposto do que a racionalidade sugere, pelo menos ela conhecerá um pouco melhor a respeito de si mesma. 

O fato é que pessoas que gostam de desafiar riscos são tão irracionais quanto aquelas que os evitam. Riscos são inerentes em praticamente todos os aspectos da vida real. Da mesma forma como temos máquinas que facilitam nossas vidas, também dispomos da razão como ferramenta para lidar com a imprevisibilidade do mundo, mesmo que a meta seja a tão sonhada e polêmica felicidade.

Em resumo, paixão não implica em irracionalidade. 



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