Motivando Adolescentes
Educação

Motivando Adolescentes




Enquanto aguardamos as postagens prometidas sobre marcantes reações humanas no mundo da educação, aproveito para discutir brevemente sobre outra questão da mais alta importância: motivação.

Já discutimos anteriormente sobre uma técnica para motivar crianças. Agora é a vez dos adolescentes. 

Uma das características mais perturbadoras da matemática do ensino médio em nossa nação é a falta de atualização de apostilas e livros. Matemática no ensino médio frequentemente é lecionada como um conteúdo que jamais é atualizado, passando muitas vezes a impressão de que tudo o que poderia ser descoberto nesta área do conhecimento já está à disposição de todos há décadas, talvez séculos. Materiais didáticos de português, literatura, história e geografia, entre outros, são sempre atualizados. Mas a matemática tem sido tratada de forma absolutamente estagnada.

O ensino responsável e honesto de matemática exige um processo conhecido como transposição de conhecimentos. O professor de matemática competente é aquele que, entre outras qualidades, domina conhecimentos realmente avançados de matemática para então promover uma transposição para uma linguagem acessível aos seus alunos. No entanto, não é isso o que ocorre em nosso país. Usualmente professores, em suas aulas, repetem conteúdos de apostilas que foram praticamente copiados de livros cujos autores suportam suas ideias em outros livros didáticos do mesmo nível de ensino. E, assim, a educação matemática no Brasil se transforma em uma espécie de telefone-sem-fio, no qual conceitos são pouco a pouco corrompidos por profissionais cada vez mais ignorantes. Portanto, a estagnação de ideias resulta em um retrocesso sobre a divulgação e o desenvolvimento do conhecimento já dominado. Livros são fundamentais. Mas a escravidão a livro-texto é estupidez.

Transpor conhecimentos avançados de matemática para alunos dos ensinos fundamental e médio é uma tarefa extraordinariamente complicada. Neste sentido, é muito mais difícil lecionar matemática no ensino fundamental do que em um curso de pós-graduação (obviamente me refiro às modalidades de mestrado e doutorado). Isso porque um professor de uma disciplina de um programa de pós-graduação em matemática pode facilmente assumir que seus alunos dominam inúmeros pré-requisitos. Se não dominarem, devem resolver seus problemas por conta própria. No entanto, no ensino fundamental os alunos não dominam praticamente pré-requisito algum. Portanto, como adaptar a matemática neste nível escolar, de modo que ela seja acessível aos jovens e de maneira que o rigor seja minimamente comprometido?

Em postagem anterior já discutimos um pouco a respeito de transposição de trigonometria para o ensino médio. Mas neste texto estou mais interessado na transposição de conhecimentos matemáticos avançados para estimular os jovens à pesquisa. 

O estímulo à pesquisa em matemática deve iniciar, pelo menos, no ensino médio. É nesta época que os jovens estão começando a definir seus sonhos profissionais. Não estou propondo qualquer estratégia de doutrinação, na qual professores tentam convencer seus alunos de que a matemática é a rainha das ciências ou outras bobagens do gênero. Estou apenas afirmando que professores de matemática do ensino médio têm a obrigação de mostrar aos seus alunos que pesquisa em matemática é um possível caminho para seguir em busca de uma carreira profissional. Só isso.

Para tanto, apresento aqui alguns exemplos motivadores.

Segundo o matemático indiano M. Ram Murty, a teoria dos números apresenta um enorme potencial para popularização da matemática. Isso porque vários problemas intrincados da teoria dos números podem ser enunciados de maneira perfeitamente acessível a alunos de ensino médio e até mesmo fundamental. Um exemplo bem conhecido é o problema dos números primos gêmeos. 

Um número inteiro positivo maior do que 1 é primo se for divisível apenas por 1 e por ele mesmo. Os sete primeiros primos são: 2, 3, 5, 7, 11, 13 e 17. O número 9 não é primo, pois é divisível por 3. E 15 não é primo por ser divisível por 3 e por 5. 

Dois números inteiros positivos são primos gêmeos se ambos forem primos e a diferença entre eles for 2. Por exemplo, 3 e 5 são primos gêmeos. O mesmo vale para o par 5 e 7. 

Pois bem. Há mais de dois mil anos se sabe que existem infinitos números primos. A demonstração deste resultado é muito simples e a primeira prova é atribuída a Euclides de Alexandria. No entanto, até hoje não se sabe se existem infinitos pares de números primos gêmeos. Isso é assunto da teoria dos números, um ramo da matemática que já contou com avanços incríveis e que até hoje não conseguiu demonstrar este resultado que pode ser enunciado para qualquer jovem do ensino médio. 

É claro que o fato de um problema não ter sido resolvido até hoje, apesar dos esforços de inúmeros profissionais experientes, pode ter um efeito intimidador sobre os jovens. Afinal, aqueles que têm problemas de autoestima (algo que é fortemente fomentado nas escolas brasileiras) podem questionar: quem sou eu para resolver um problema desses? 

Porém, a própria teoria dos números já nos ensinou que mesmo nos dias de hoje podem existir soluções simples para problemas aparentemente complicados. Um exemplo bem conhecido é o algoritmo AKS. Esta sigla é referência aos indianos Manindra Agrawal, Neeraj Kayal e Nitin Saxena. Usando técnicas amplamente conhecidas em teoria dos números e teoria da complexidade, Agrawal, Kayal e Saxena provaram que é possível determinar em tempo polinomial se um número inteiro positivo é primo ou composto. O que isso significa?

Um inteiro positivo é composto se puder ser representado como o produto de ocorrências de primos. Por exemplo, 15 é composto, pois podemos representá-lo como o produto entre os primos 3 e 5. Já um algoritmo é, grosso modo, uma série de procedimentos que podem ser implementados em um computador. Na prática algoritmos se traduzem como programas de computador. Dados são inseridos na entrada, processados pela máquina na qual se implementou o programa e transformados em uma saída. Um algoritmo que opera em tempo polinomial é, em sentido meramente intuitivo, aquele que pode ser executado em um intervalo de tempo realista. Explico melhor a seguir.

Toda entrada tem um tamanho n. Quando o algoritmo é executado pela máquina (após a inserção da entrada), deve realizar um certo número de passos computacionais. Se o número de passos computacionais puder ser representado como um polinômio em n, temos um processamento em tempo polinomial. Os demais casos se referem a tempo de processamento exponencial. Problemas que são resolvidos em tempo exponencial não são práticos. Dependendo do problema, mesmo a mais rápida das máquinas hoje existente poderia demorar milhões ou bilhões de anos para produzir a saída. 

Até 2002 ninguém sabia se o problema para determinar se um inteiro positivo é primo ou composto poderia ser resolvido em tempo polinomial. Agrawal e colaboradores provaram que sim. E, para tanto, jamais apelaram a técnicas sofisticadas ou inéditas. Simplesmente usaram ferramentas amplamente conhecidas por todos os demais profissionais da teoria dos números. Por que ninguém fez essa descoberta antes dos indianos? Difícil responder.

O fato é que existem muito mais problemas importantes em matemática do que gente trabalhando neles. Se os alunos questionarem a importância deste tipo específico de problema, vale observar que a própria teoria dos números tem o sistema financeiro mundial em suas mãos. 

Instituições financeiras do mundo todo usam um sistema de criptografia (conhecido como RSA) que é seguro simplesmente porque ele se sustenta em um problema cuja única solução conhecida é obtida em tempo exponencial (não polinomial). O problema em questão é a fatoração de um inteiro composto na forma de um produto entre ocorrências de primos. Transações bancárias, como compras com cartão de crédito, são exemplos de operações criptografadas por um sistema de segurança máxima. O que garante esta segurança é justamente o fato de que qualquer tentativa de quebrar os códigos usados pelas instituições financeiras demanda um tempo de computação que torna esta atividade criminosa simplesmente impraticável. Essa situação continuará assim enquanto nenhum matemático descobrir uma solução para a fatoração de números compostos em primos que seja realizável em tempo polinomial. 

Portanto, a matemática que se estuda no ensino médio é base para a segurança financeira do mundo em que vivemos.

Outro exemplo interessante de motivação é o célebre problema de Kepler. 

Considere a seguinte situação. Uma escola tem várias bolas de futebol, todas do mesmo tamanho. Qual é a melhor maneira de acomodá-las de forma que ocupem o menor espaço possível? O professor pode iniciar a brincadeira com moedas, todas com o mesmo tamanho. Em seguida ele pode apelar para esferas, todas também com o mesmo raio. Os alunos testam diversas disposições, procurando calcular a densidade da distribuição de bolas dentro de um sólido com faces planas que tangenciem as bolas mais externas. Onde está a novidade neste problema?

Em 1611 o astrônomo e matemático alemão Johannes Kepler (o mesmo das famosas leis de Kepler que descrevem movimentos planetários) propôs que um empacotamento cúbico ou hexagonal de esferas pode fornecer a maior densidade possível para tal armazenamento. Para ver imagens desses empacotamentos clique aqui.

Em ambos os casos a densidade máxima seria de π/(3√2), o que corresponde a algo em torno de 74,05% de ocupação das esferas no acondicionamento. Essa é a famosa conjectura de Kepler. A questão de se determinar a maior densidade possível de empacotamento de esferas com o mesmo tamanho é conhecida como o problema de Kepler, que até os dias de hoje tem causado muita dor de cabeça aos matemáticos. Ou seja, o problema é antigo, mas a discussão sobre sua solução é bem atual. Até porque extensões deste problema para espaços com quatro ou mais dimensões continuam interessando aos matemáticos.

Ao longo da história muitos foram aqueles que tentaram provar a conjectura de Kepler. A mais recente tentativa foi de T. C. Hales que, em 1997, propôs uma técnica computacional para efetivamente fazer a demonstração, a qual apelava para técnicas de otimização global, programação linear e aritmética intervalar, assuntos que evidentemente estão muito além do alcance do ensino médio, mas que podem ser brevemente mencionados para ilustrar a complexidade da questão. Hales apresentou a ideia computacional em artigos que totalizaram cerca de 250 páginas. Os arquivos de computador contendo códigos e dados exigem cerca de três gigabytes de espaço para armazenamento. Há uma história não oficial de que em 2003 doze especialistas trabalhando para o Annals of Mathematics (talvez o melhor periódico de matemática nos dias de hoje) teriam concluído um trabalhado que durou quatro anos, na tentativa de revisar as ideias de Hales, e que conseguiram apenas chegar à conclusão de que provavelmente o trabalho está correto.

Ou seja, um problema de enunciado extremamente simples encerra um mistério até hoje provocativo mesmo para as mais brilhantes mentes conhecedoras das mais modernas teorias matemáticas. 

Muitos outros problemas famosos podem ser adaptados ao ensino médio, se o professor conhecer bem topologia e teoria dos grafos. Um exemplo bem conhecido é o célebre problema das quatro cores. 

Enfim, a tática é simples. O que motiva não são respostas, mas perguntas. Matemática não se exercita com respostas prontas, mas com questionamentos provocativos. Por isso mesmo insisto tanto neste blog em provocar pessoas também. Sem provocação, não há avanço. Sem provocação, ficamos acomodados à nossa própria ignorância.



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