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Recentemente foi publicada uma postagem neste blog sobre aulas de cálculo diferencial e integral em vídeo, na qual promovi uma breve análise sobre cinco vídeo-aulas disponibilizadas gratuitamente no YouTube. O objetivo da postagem citada e desta é dar continuidade a uma discussão sobre ensino a distância, iniciada aqui há mais de um ano. Alguns leitores pediram para eu discutir algo sobre programas de ensino a distância como Veduca e Khan Academy. Segue abaixo uma discussão a respeito de alguns vídeos de matemática que acessei a partir do site de Veduca. Sobre a Khan Academy será discutido em postagem futura.

Haynes Miller (professor do MIT), em sua vídeo-aula sobre equações diferenciais ordinárias, diz algo que sintetiza com absoluta clareza o valor do ensino a distância na forma de vídeos: "Não vou lhes dizer o que são equações diferenciais ou modelagem. Se ainda não têm certeza sobre essas coisas, o livro tem uma explicação muito longa e muito boa. Basta ler."

Tal vídeo não é exceção em Veduca. Gilbert Strang (também professor do MIT) se refere a algumas de suas vídeo-aulas como "highlights of calculus". E o primeiro vídeo de Strang sobre álgebra linear abre com a apresentação de um livro sobre o tema. Em outras palavras, não é aparente qualquer pretensão de se ensinar matemática nas aulas em vídeo do programa Veduca. Tais ferramentas gratuitas de ensino a distância parecem algo como um mero instrumento de suporte didático. Se alguém deseja realmente aprender matemática, não tem outra opção a não ser ler bons livros de matemática.

Os vídeos que examinei em Veduca são todos meras gravações de aulas tradicionais. Portanto, não apelam para recursos interativos. Quem assiste aos vídeos ainda se encontra em posição passiva, como um tradicional aluno em uma tradicional sala de aula. Mesmo vídeos sobre história ou física, entre outras áreas do saber, seguem este formato. 

Um dos problemas que apontei sobre vídeo-aulas em postagem anterior foi a maior incidência de erros, se compararmos com textos devidamente revisados. Gilbert Strang, por exemplo, deixa claro em seu primeiro vídeo sobre cálculo diferencial e integral que seu principal propósito é esclarecer qual é o objetivo deste ramo do conhecimento. Isso porque muitas vezes alunos podem sentir falta desse tipo de discussão se ficarem limitados a apenas fazer contas. E, tentando caracterizar o que é cálculo diferencial e integral (o que definiria os objetivos desta disciplina), Strang afirma: "para mim cálculo é sobre a relação entre duas funções". Em seguida ele ilustra sua afirmação com exemplos bem conhecidos na literatura.

Pois bem. Teoria de categorias também é um ramo da matemática que poderia ser caracterizado como o estudo de relações entre funções. No entanto, teoria de categorias e cálculo diferencial e integral são assuntos muito diferentes entre si. Assim sendo, cálculo não pode ser definido como o estudo das relações entre funções.

Afirmações sucintas e de caráter geral, como supostas definições sobre o que afinal é cálculo, são sempre questionáveis. Já foi discutido neste blog o problema de avaliações baseadas em respostas. Em um sistema educacional de ótima qualidade, independentemente de ser a distância ou presencial, deveria haver ênfase na visão de alunos e não de professores. Alunos deveriam ser provocados com perguntas de caráter geral: O que é cálculo? O que é álgebra linear? O que é matemática?

Qualquer resposta que seja dada por qualquer aluno estará inevitavelmente errada. E é neste momento que deve entrar o professor. Neste momento o papel do professor é questionar com propriedade as respostas de seus alunos, a partir de exemplos pontuais. Desta forma eles terão a oportunidade de contato com senso crítico. E senso crítico é muito mais importante em matemática do que respostas prontas e entregues de forma não crítica por professores.

Talvez um programa como Veduca tenha algum valor social relevante. No entanto, certamente não serve para fins de efetivo aprendizado de matemática por dois motivos:

1) Não se aprende matemática ouvindo um professor de matemática, da mesma forma que não se aprende a fazer sexo vendo outras pessoas fazendo sexo.

2) Bons livros apresentam conteúdos de matemática de forma tão rica que seria inviável transpor tais conteúdos na forma de vídeo sem torná-los extremamente monótonos.

Aquele que estuda matemática jamais lê um bom livro de matemática da mesma forma que se lê um romance. Trechos precisam ser lidos e relidos inúmeras vezes. Exercícios estratégicos precisam ser resolvidos. Discussões precisam ser promovidas com pares. O aprendizado de matemática é um processo extremamente difícil até mesmo para matemáticos profissionais. Matemática não é assunto que flui naturalmente em pessoa alguma deste nosso planeta. Matemática demanda muito esforço.

Àqueles que assistem aos vídeos do programa Veduca recomendo que continuem a ver tais vídeos, se assim desejarem. Mas assistam a essas aulas de forma crítica. O site Veduca conta com fóruns de discussão. No entanto, em tais fóruns há muitos participantes que conhecem pouca matemática. Portanto, não representam ajuda. É importante que os interessados participem de outros fóruns de discussão em outros ambientes espalhados pela internet. Mas mais desejável ainda é o contato (presencial) com profissionais de reconhecida competência e experiência, para trocas de ideias.

Para que ensino a distância possa funcionar como ferramenta de real aprendizado é necessário que seja realizado um esforço muito maior do que a mera exposição de vídeos, sem oportunidade de interação entre alunos e professores. Assim como o emprego de avançadas tecnologias de computação gráfica no cinema não permite que atores sejam dispensados de produções cinematográficas, o emprego de avançadas tecnologias para aprendizado jamais pode abrir mão da necessidade de bons professores e bons autores. Por mais que a tecnologia avance, as pessoas continuam sendo as mesmas em termos de dificuldades de aprendizado. E matemática é um ramo do conhecimento difícil de aprender. Não há caminho suave.



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