Educação
Vale a pena fazer um doutorado?
Desde que iniciei este blog quase cinco anos atrás, uma das perguntas que mais ouço é a seguinte: Vale a pena estudar?
No excelente blog do jornalista José Galisi Filho há uma postagem sobre as carreiras dos desempregados. É uma discussão muito bem explorada na qual se mostra que, nos dias de hoje, alta qualificação tem se tornado sinônimo de desemprego.
Um dos melhores alunos que tive, hoje com pós-doutorado pelo Instituto Max Planck (tendo sido bolsista da própria Sociedade Max Planck, Alemanha), não consegue emprego nem na Alemanha e nem no Brasil.
Em reportagem publicada quatro dias atrás no site da revista Science, Carrie Arnold apresenta exemplos pontuais que ilustram o fato de que pesquisadores altamente qualificados não encontram mais emprego em universidades e procuram colocações em empresas que claramente alimentam preconceitos contra detentores do título de Ph.D. Isso porque um profissional com doutorado deve ser destreinado para ser, então, retreinado. E não há, entre profissionais de recursos humanos, a crença de que tal missão valha a pena ou seja sequer realizável. E este sinistro quadro define não apenas a realidade de mercado de trabalho dos Estados Unidos como também da Europa.
No Brasil, assim como no velho continente e nos Estados Unidos, há duas opções principais de emprego para doutores: universidades e indústria.
Entre as universidades há as públicas (estaduais e federais) e as privadas. A contratação em universidades públicas depende de editais de concursos públicos, os quais ainda são poucos e com quantias de vagas muito limitadas. Além disso, dada a natureza dos concursos públicos, tem sido crescente o fenômeno de "carta marcada", onde ex-alunos de membros de bancas ou de colegas de membros de bancas encontram favoritismos. Universidades privadas em geral evitam a contratação de doutores, que são profissionais mais caros (na folha de pagamento) e que frequentemente demandam condições de pesquisa. Como na maioria das universidades privadas de nosso país administradores sequer sabem o que é pesquisa, esta é uma situação que gera muito desconforto dentro das instituições.
Em reportagem assinada por Sabine Righetti para blog da Folha de São Paulo, há uma discussão sobre análise promovida por especialistas em políticas de ciência e tecnologia que afirmam não haver pesquisa aplicada em empresas no Brasil. A justificativa de empresários de multinacionais é que existe uma carência muito grande de doutores em nosso país. No entanto, na mesma reportagem é apontado o fato de haver considerável quantia de doutores em ciência e tecnologia que estão desempregados. Quatro anos atrás, por exemplo, o índice de desemprego entre doutores era de quase 30%, muito maior do que o índice de desemprego de 8% entre todas as categorias profissionais no mesmo ano. E mesmo entre os empregados, havia considerável quantia daqueles que tinham que assumir dois ou mais empregos simultaneamente, para garantir a simples sobrevivência. Ou seja, neste contexto pode-se apontar para o conceito de "qualificação exagerada". No Brasil não é uma boa ideia ter qualificação exagerada, se avaliarmos apenas a questão de oferta de empregos.
Portanto, agora temos elementos para responder à questão do título desta postagem. Vale a pena fazer um doutorado? A resposta depende de visão pessoal sobre os propósitos de um doutorado. Se a visão for restrita a mercado de trabalho, a resposta é não. Realmente não vale a pena fazer um doutorado, seja no Brasil ou no exterior. Mas se a visão for ideológica, certamente vale a pena!
O que é uma visão ideológica sobre os propósitos de um doutorado? É aquela na qual um doutorado é encarado como uma séria preparação para a investigação científica e um passo fundamental para a formação de redes sociais que facilitem essa investigação científica. Ou seja, uma pessoa somente tem visão ideológica sobre os propósitos de um doutorado quando ela é apaixonada por pesquisa e honestamente sente que não poderia seguir outro caminho profissional sem se tornar uma pessoa extremamente frustrada.
Eu, por exemplo, me classifico como um profissional ideológico. Fiz um doutorado em filosofia vinte anos atrás, na Universidade de São Paulo. Durante quase toda a minha vida profissional trabalhei com fundamentos lógicos e matemáticos de teorias físicas. Por sorte, sou empregado. Mas se, por algum motivo, eu perdesse o emprego que tenho, encontraria enorme dificuldade para convencer alguém a me contratar por um salário decente.
Portanto, a pergunta mais fundamental a ser respondida não é aquela que está no título desta postagem. A pergunta que deve ser respondida é: "Quem é você?"
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