Para quem não entende
Educação

Para quem não entende





A postagem que divulga o artigo de Scientific American Brasil sobre as universidades federais teve considerável impacto neste blog. Em 24 horas se tornou o segundo mais visualizado, em um universo de 133 textos que têm sido publicados aqui desde 2009. Hoje, três dias depois, já é a mais visualizada de todas as postagens.

Isso significa que o artigo em questão atraiu gente nova para este site. Muitos perceberam claramente que o texto mostra apenas a ponta de um gigantesco iceberg conhecido como educação superior brasileira. Outros, porém, ainda insistem em insinuar ou mesmo afirmar que estou exagerando ou sendo injusto. Há também aqueles que dizem que uso argumentos falaciosos, como se eles soubessem o que isso significa. 

Tento respeitar aqueles que percebem com dolorosa clareza a situação miserável da educação brasileira, em um país que tem todas as condições humanas e econômicas para reverter a atual situação. Tento respeitá-los evitando a repetição de respostas que já apresentei inúmeras vezes aqui, por e-mail, em mensagens do facebook ou em conversas pessoais. Por isso aviso: este texto não é dirigido aos que enxergam, mas aos ingênuos e aos parasitas (termo que empresto de Ulisses Capozzoli) do sistema centralizado e paternalista imposto pelo Governo Federal.

Antes, porém, tenho um pedido a fazer. Todos aqueles que publicaram comentários na postagem sobre a exposição das universidades federais em Scientific American Brasil estão convidados a encaminhar seus textos para a própria revista. Esta é uma estratégia extremamente importante para demonstrar a força de uma ideia. E a ideia é tranformar o Brasil em um país melhor, socialmente mais justo.

Pois bem. Vejamos alguns dos principais argumentos que tenho lido e ouvido em discussões promovidas por pessoas que se recusam a perceber a mediocridade do ensino público superior brasileiro. Os trechos em itálico são reproduções (devidamente editadas por mim) de mensagens que recebi.

1) A estabilidade não é privilégio da carreira docente. Ela é baseada na lei 8112 que rege todo o funcionalismo público federal brasileiro. Concordo que a estabilidade irrestrita é danosa, mas se ela for alterada, tem de ser através de uma reformulação em todo o serviço público brasileiro, e não apenas na carreira docente. Ora, se a carreira já é desprivilegiada por apresentar salário inferior ao de outras carreiras que exigem menos titulação, retirar a estabilidade apenas da carreira docente só iria afastar as pessoas que escolhem a profissão porque desejam de fato trabalhar com educação.

Resposta: Eu jamais defendi que estabilidade irrestrita deve acabar apenas na carreira docente. Insisto nesta categoria profissional por conta de sua gigantesca importância estratégica para a nação. Se Abraham Lincoln conseguiu abolir a escravidão em meio a uma guerra civil em seu país, por que não podemos executar ações muito mais simples, como o fim do comodismo? O término da estabilidade irrestrita para docentes de instituições federais de ensino superior (ifes) pode ser perfeitamente negociado com o Governo Federal. Já tivemos exemplo semelhante no passado. Hoje em dia, por exemplo, esses mesmos docentes não podem contar com o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, um direito de outras categorias profissionais. Isso foi conquistado por negociações. Daí a importância da participação ativa de todos os interessados. Além disso, o discurso da titulação é simplesmente ridículo. Titulação não garante mérito. Mérito se avalia por produção. Há muito professor universitário neste país que julga que seus títulos têm algum valor que os coloca acima do resto da sociedade. Fortemente recomendo que abandonem essa lamentável ideia. Soa como um palhaço que insiste em ser chamado de Doutor Palhaço. 

2) A meritocracia me parece fundamental, no entanto gostaria de ressaltar que não é algo inexistente (mas sim insuficiente, como as Bolsas de produtividade são do CNPq) e não creio que seja a solução definitiva para todos os nossos problemas. Na Universidad do Chile, por exemplo, para cada artigo publicado em journal o professor ganha de 1000 a 4000 dólares. Se não é produtivo ou tem carga-horária baixa de aulas, o professor pode ser demitido em avaliação bi-anual do ministério da educação. Mesmo assim esta instituição não aparece em nenhum ranking a frente da USP, por exemplo. 

Resposta: Jamais afirmei que políticas meritocráticas sérias seriam capazes de alavancar as universidades brasileiras a ponto de fazê-las competir com as melhores instituições de ensino superior do mundo. Apenas afirmo que as atuais políticas acadêmicas de nosso país certamente jamais permitirão que qualquer universidade nossa tenha, algum dia, destaque internacional. A meritocracia é apenas um dos passos que devemos tomar. Certamente o reconhecimento honesto de mérito traria benefícios gigantescos ao Brasil. Mas sempre precisamos avaliar criticamente o que estamos fazendo de errado, em uma eterna busca pelo aperfeiçoamento. Muitos já me disseram que esta é uma visão utópica. Pois o que é utópico para nós, é a realidade dos mais desenvolvidos. Além disso, no artigo há muitas outras críticas, além da falta de meritocracia. Recomendo que o texto em questão seja lido com um pouco mais de cuidado.

3) Sobre os "tenured professors" dos EUA, colo a opinião de um colega exposta na nossa lista de discussão dos professores aqui da UFC, que esteve recentemente viajando por Universidades de lá: "Nos EUA vi diversos "tenured professors" bem fracos, que não pesquisavam e davam aulas ruins. Conseguiram o tenure não por mérito, mas por amizades, jogos políticos etc. e assim continuavam a se manter relativamente bem na carreira acadêmica por anos e anos. Outros, muito bons, não conseguiram porque não se alinhavam ao status quo da instituição - justamente aquilo que a ideia do tenure procura preservar: pluralidade, autonomia etc".

Resposta: Ora, é claro que este problema existe nos EUA! Como eu mesmo havia mencionado no artigo, existem problemas profundos no sistema acadêmico daquele país. Eu mesmo conheci um pesquisador de Stanford que se interessava pela vida sexual de elétrons! Mas casos como esses não constituem prova de que o sistema meritocrático não funciona. Casos como esses apenas provam que qualquer política, por mais sensata que seja, é falível e demanda constante revisão. É fato que, do ponto de vista estatístico, os melhores recebem benefícios não concedidos aos piores, nos EUA. É fato que aquele país é extremamente competitivo, justamente porque existe a perspectiva real de vitória. E é fato também que a competitividade estadunidense cria problemas sociais muito graves e que precisam ser corrigidos urgentemente, como frustrações que eventualmente culminam em tragédias. Mas, apesar desses problemas, é justamente essa competitividade que fez dos EUA a grande liderança científica e tecnológica mundial. É também fato que os professores universitários de nosso país escovam seus dentes com pastas e escovas Colgate (EUA). Eles dirigem veículos de nomes como Volkswagen (Alemanha), Ford (EUA), Mitsubishi (Japão), Renault (França), Fiat (Itália). Esses mesmos professores cuidam da saúde com remédios produzidos por multinacionais de origem estrangeira. Eles comem o quarteirão do MacDonald's em frente a um aparelho de televisão Samsung. E escrevem suas ingênuas opiniões em um computador Sony. Não tenho nada contra o uso dessas tecnologias, oriundas de ciência sólida produzida pelos países desenvolvidos. Mas precisamos também depender menos do conhecimento alheio. Qual é o sonho do Brasil enquanto nação? Ser um eterno dependente da produção científica e tecnológica de outras nações? Somos apenas um bando de consumidores? Consumo não dura para sempre se não houver renda! E, sem conhecimento, garanto que não haverá renda no futuro. Assim como nossos filhos precisam estudar para se engajarem à sociedade, países precisam crescer intelectualmente para se engajarem ao mundo. Sem esse compromisso, tornamo-nos socialmente periféricos, pobres, dependentes da bondade de estranhos.

4) Todos sabemos dos problemas da universidade pública brasileira. Todos temos histórias e experiências pessoais de favorecimento, conchavos, desleixo de professores e funcionários. Neste ponto, textos como estes, que nos fazem refletir sobre como deveriam se proceder as mudanças são importantes demais. Mas acho injusto e negativista demais nos relegar a uma condição histórica de colonizados, elitistas, atrasados e pontos fora da curva. 

Resposta: "Todos sabemos dos problemas da universidade pública?" Como pode ser verdade isso? Se sabem, por que não há mudanças relevantes para melhorar a educação? Vejamos. Já discuti meses atrás sobre algumas das ideias absurdas de Claudio de Moura Castro sobre educação. E a influência política dele é considerável. Isso é saber? Vejo todos os dias livros, apostilas e professores de matemática perpetuando conceitos errados diante de crianças e jovens. Isso é saber? Vejo discursos rançosos, completamente na contramão do progresso, a favor da estabilidade irrestrita. Isso é saber? Leio teses de doutorado e dissertações de mestrado que defendem apenas o ensino da matemática que encontra aplicações no cotidiano de alunos do ensino básico. Isso é saber? Se todos sabem das mazelas da educação, então o que estão fazendo com esse saber? Estão escondendo? Não. A verdade é que não sabem coisa alguma! Além disso, eu jamais releguei nosso país a uma condição histórica de colonizados. Isso é discurso rançoso de gente que não pensa, mas gosta de repetir o que outros afirmam. No entanto, do ponto de vista científico, somos sim um país atrasado. Há ilhas de saber no Brasil, sem dúvida. Mas tais ilhas não são suficientemente articuladas para conferir tradição na produção de conhecimento em nosso país. A questão é simples: afinal, queremos ou não universidades no Brasil? 

5) Lembro que os desinteressados ou descomprometidos são uma minoria dos nossos colegas da UFC. A frase do texto: "A consequência mais óbvia da estabilidade irrestrita para docentes das ifes é a falta de um ambiente competitivo na vida acadêmica pública", para mim é falácia muito grande. Quem faz pesquisa sabe quão competivo é fazer ciência no Brasil (projetos e artigos em bons lugares somente para quem trabalha muito e seriamente).

Resposta: É absolutamente irrelevante se uma afirmação é falaciosa para "mim", para "você" ou para o João da Silva. E, aliás, o que seria uma falácia muito grande? Existem falácias muito pequenas? Se querem argumentar, pelo menos leiam o artigo e exponham suas críticas com melhor qualificação e responsabilidade. O artigo publicado em Scientific American Brasil não se resume a uma única frase. Foi colocado de maneira cristalina que a falta de meritocracia não se encontra nos órgãos de fomento à pesquisa, mas na estrutura administrativa das ifes. Quem não produz, ainda tem seu emprego garantido. Não deveria ser difícil entender isso.

6) Discordo que os problemas da universidade tenham origem na estabilidade do emprego dos professores, como ressalta esse artigo terrível! Os problemas das universidades brasileiras são exatamente o oposto aos apontados no texto: é a terceirização, o emprego precarizado e instável, que aos poucos vai se imiscuindo com muita corrupção e sucateameno privados pela administração que deveria ser pública das universidades. Temos de lutar para levar a lógica do público e gratuito, da estabilidade e do emprego público para fora da universidade, para toda a sociedade, e não ao contrário. Não tentem culpar os professores pelos problemas das universidades. Eles, como nós, somos as vítimas do governo e dos tubarões da iniciativa privada e do sistema financeiro. Já temos inimigos de classe demais nos atacando e não precisamos de mais fogo-amigo nos queimando. Recuso-me a compartilhar um artigo como esse. Acorda, Fasubra: essa extrema-direita que às vezes pipoca aqui e ali (defendendo redução da maioridade penal, atacando prostitutas, sem-teto, sem-terra, professores e grevistas, trazendo fofocas da vida pessoal das pessoas para o debate político, repudiando ex-detentos, e por aí vai uma lista infindável) precisa de uma resposta firme urgente para não se criar.

Resposta: Estabilidade para toda a sociedade? Extrema direita? Ataque a prostitutas? Fofocas da vida pessoal? Fico pensando quantas outras pessoas neste país conseguem ser tão ofuscadas por fanatismo político. Neste caso não há mais o que dizer. 

7) Servidores públicos precisam de estabilidade, até para terem seu direito de existência, independente da posição política/acadêmica garantidos. Em um ambiente que se pretende ser democrático essa possibilidade não pode existir, exceto em casos evidentes de falcatruagem.

Resposta: Estabilidade é necessária para garantir o direito à existência? Devo entender com isso que a maioria do povo brasileiro não tem o direito à existência? 
_________

A essa altura o leitor deve estar percebendo que o nível das críticas tem diminuído consideravelmente.

Tenho analisado o perfil dos contras em comparação com o perfil daqueles que se entusiasmaram com o artigo. Os favoráveis são, em geral, jovens universitários. Eles sentem na pele, todos os dias, a realidade do ensino público superior no Brasil. Em compensação, os contras são comumente professores de ifes ou ativistas políticos que, por algum motivo, creem fazer parte de um movimento esquerdista. Para estes últimos, qualquer ideia contrária aos seus fanatismos pessoais tem origem em alguém que odeia minorias. 

Conheço histórias realmente sórdidas de assassinatos, suicídio, pedofilia, estupro, dependência química e incesto na vida acadêmica brasileira. Jamais as expus e jamais as divulgarei. Isso porque não estou em busca de sensacionalismo. O que quero, em uma primeira instância, é apenas uma coisa: um Brasil genuinamente comprometido com ciência, tecnologia e educação. 

Sonho também com um Brasil que tenha segurança, justiça e saúde. Mas essas lutas não tenho condições de assumir. Cada um de nós deve assumir sua responsabilidade social de maneira focada, mas sempre em sintonia com as demandas coletivas.



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