Educação
O que a UFPR espera de você?
Não importa se você é aluno (de graduação ou de pós-graduação), professor ou técnico-administrativo, o que a Universidade Federal do Paraná (UFPR) espera de você é um desempenho mediano. A UFPR não está interessada em desempenhos medíocres ou acima da média. Você deve fazer exatamente aquilo que os demais fazem. Nem menos, nem mais.
Isso pode parecer um julgamento rancoroso de um docente que trabalha nesta instituição há mais de vinte anos. Mas justifico e exemplifico minha opinião.
Como a UFPR é uma instituição de ensino, meu foco nesta postagem é o corpo docente. Sobre os corpos discente e de técnicos-administrativos pretendo discutir em postagens futuras.
Todas as universidades federais de nosso país contam com um chamado "plano de carreira". Não gosto de usar este termo aqui no Brasil, pois planos de carreira deveriam ser meritocráticos. E não é o que acontece em nosso Berço Esplêndido. Diante deste patético "plano de carreira" docentes sempre podem progredir, mas jamais regredir. Uma vez aprovados na frágil avaliação de estágio probatório, têm seus cargos praticamente garantidos (a não ser que cometam verdadeiros atos de loucura ou abandono). Docentes também não podem negociar seus salários, de acordo com produção e repercussão de seus trabalhos. Ou seja, os cargos de professores auxiliares, assistentes, adjuntos, associados e titular são meros nomes. O único diferencial nestes nomes é o salário. Nada além disso.
Essas características inevitavelmente se refletem nas políticas internas dessas instituições, gerando um ambiente rançoso e acomodado, no qual somente produzem aqueles espíritos independentes que são verdadeiros apaixonados por suas atividades profissionais. E esses espíritos são poucos. Os demais se acomodaram em um confortável emprego que paga melhor do que a maioria das instituições de ensino do país.
Testemunhei inúmeros eventos que ilustram minha tese. Mas decidi reportar aqui apenas um deles, por ser recente e impactante.
Durante minha chefia do Departamento de Matemática da UFPR no período de 2005 a 2007, fui designado como relator de um processo que tramitou no Conselho do Setor de Ciências Exatas. Tratava-se de um casal recentemente contratado pelo Departamento de Estatística e que pedia afastamento para realização de curso de doutorado na Inglaterra, com convite e bolsa de lá. Ele, Leonardo Soares Bastos, recebeu apoio da Universidade de Sheffield, Reino Unido. Os custos envolvidos seriam cobertos pelo Managing Uncertainty in Complex Models Project e pelo próprio Departamento de Probabilidade e Estatística da instituição britânica. Seu orientador seria o Professor A. O'Hagan. Ela, Thaís Cristina de Oliveira Fonseca, recebeu apoio da Universidade de Warwick. Os custos envolvidos seriam cobertos por uma Bursary Award do Departamento de Estatística daquela instituição. Seu orientador seria o Professor Mark Steel. Tanto O'Hagan quanto Steel são nomes internacionalmente reconhecidos em estatística.
Naturalmente dei parecer favorável ao pedido. Afinal, há carência de doutores em estatística no Brasil. E estatística é uma área do conhecimento de extrema importância estratégica para qualquer nação. Além disso, dois novos doutores acrescentariam muito ao Departamento de Estatística da UFPR, o qual já havia aprovado por maioria simples os dois pedidos de afastamento. E, para finalizar, uma importante liderança de pesquisa naquele departamento apoiava enfaticamente as solicitações daqueles dois jovens pesquisadores. Ou seja, os pedidos de afastamento estavam perfeitamente inseridos no contexto social local.
No entanto, o Conselho Setorial rejeitou meu relatório e, consequentemente, ambos os pedidos.
Quando mencionei em meu relatório que o orientador designado de Bastos era uma liderança mundial em estatística, fui obrigado a ouvir o seguinte comentário: “O mérito é do pesquisador inglês e não do rapaz que foi convidado.” E isso eu ouvi de um professor do Departamento de Física que já tinha considerável experiência científica e internacional. Ou seja, o comentário exalava inveja (por motivação) e boçalidade (para efeitos práticos).
O casal teve o pedido de afastamento indeferido, alegando-se que eles deveriam cumprir estágio probatório. Esta foi a trágica piada: estágio probatório.
Até então, praticamente todos os novos professores dos departamentos do Setor de Ciências Exatas eram aprovados com nota máxima no tal do estágio probatório, o qual avalia assiduidade, disciplina, capacidade de iniciativa, produtividade e responsabilidade, por um período de três anos. Uma rara exceção foi uma professora do Departamento de Matemática avaliada por uma comissão presidida por mim. E garanto que essa professora era extremamente competente, tanto em pesquisa quanto em docência. Ou seja, a maioria esmagadora dos professores recentemente admitidos por concurso público apresentavam assiduidade, disciplina, iniciativa, produtividade e responsabilidade impecáveis, de acordo com avaliações dos docentes mais antigos. Passados esses três anos, o docente pode fazer (ou não fazer) o que bem entender. Este fato foi apresentado durante a reunião do Conselho Setorial, mas vários professores insistiram que estava na hora de moralizar as avaliações do período de estágio probatório (o que quer que isso signifique). Excelente exemplo de oportunismo medíocre.
Além disso, o estágio probatório não é impedimento legal para afastamentos dessa natureza. E os membros do Conselho Setorial sabiam disso. Eu mesmo, por exemplo, já passei por situação parecida. Ingressei na UFPR em 1990. Em 1991 iniciei meu doutoramento na Universidade de São Paulo. Concluí em três anos. Em 1995 já estava novamente afastado, realizando estágio de pós-doutorado de um ano em Stanford. Havia uma regra que estabelecia que o docente deveria manter seu vínculo com a instituição de origem (UFPR, no meu caso) por período mínimo de mesma duração do período de afastamento, após seu retorno. Como esse tipo de norma é muito mal escrita, fiz contato com a Consultoria Jurídica da universidade. Aleguei que, mesmo estando nos Estados Unidos, eu ainda manteria vínculo empregatício com a UFPR. Não houve argumentos contrários. A Consultoria Jurídica reconhecia que as normas eram vagas. O Chefe do Departamento da época, Celso Carnieri, também fez contato com a Consultoria Jurídica, o que foi uma atitude evidentemente necessária. Mas meu novo pedido de afastamento foi aprovado por unanimidade, uma vez que se percebeu o mérito da solicitação e a ausência de impedimentos legais. Ou seja, tive a sorte de sempre contar com o apoio de meus colegas do Departamento de Matemática. E tive a sorte de ter meus processos avaliados por pessoas que não estavam dispostas a criar obstáculos. Mas essa sorte, lamentavelmente, não se aplica a todos. Afinal, o casal de estatísticos teve o azar de ser evidentemente mais competente do que a maioria e encontrar uma realidade bem diferente daquela que vivi: um setor repleto de doutores frustrados.
Os professores que insistiram no argumento do estágio probatório usaram o seguinte discurso: "Esses dois professores têm que provar que sabem dar aulas." Este argumento é incrivelmente ingênuo. O Setor de Ciências Exatas está repleto de professores cujas aulas são de qualidade altamente questionável. Absolutamente ninguém avalia a qualidade de aulas de docentes que já passaram pelo estágio probatório. Isso porque simplesmente não existe meritocracia alguma nas universidades federais.
Ao conversar com membros do Conselho Setorial, tentei sentir de perto as motivações que estavam por trás da decisão contrária aos pedidos de afastamento. É claro que tudo o que eu escrever no próximo parágrafo se resume a meras impressões pessoais e, portanto, limitadas à minha capacidade de interpretação de fatos. Mas talvez o leitor se identifique com o que descrevo.
Uma das pessoas que votou contra o pedido estava visivelmente movida por pura inveja. É um indivíduo que sonha em ser reconhecido como um profissional brilhante, mas que tem fracassado miseravelmente nessa empreitada. Havia também aqueles com inveja por terem sido obrigados a realizar seus cursos de doutoramento no Brasil. Afinal, tem sido cada vez mais difícil a realização de pós-graduação no exterior. Em compensação, outra pessoa que votou contra o deferimento estava fortemente convencida de que a avaliação institucional é mais importante do que o afastamento para o doutorado. O que essas pessoas não percebiam era o fato de que o casal ter sido convidado para realizar doutoramento em uma instituição de alto nível, com uma rara bolsa de estudos fornecida pelas próprias universidades inglesas, já reflete um mérito que também deveria interessar à universidade brasileira: pesquisa avançada. E neste mérito certamente estão contempladas assiduidade, disciplina, iniciativa, produtividade e responsabilidade. Outros, em contrapartida, votaram contra simplesmente por acompanharem a opinião de colegas e desejarem que a reunião encerrasse logo.
Mas um dos eventos mais revoltantes neste bizarro caso foi o voto da chefe do Departamento de Estatística contrário ao pedido de afastamento do casal, contrariando a vontade da maioria simples do departamento que ela deveria representar. Além de votar contra, foi ela quem insistiu no argumento do estágio probatório. É este o comportamento de um Chefe de Departamento? Por que a Diretora do Setor apoiou essa postura? Os representantes de suas respectivas unidades administrativas devem simplesmente ignorar a vontade da maioria de seus colegas? É por isso que não existe código de ética entre docentes?
No entanto, curiosamente havia outro fator relevante em jogo e que amedrontou alguns professores do Conselho Setorial. Quando um brasileiro recebe bolsa brasileira de estudos ou de pesquisa para realizar trabalhos no exterior, este assina um termo de compromisso para retornar ao Brasil e permanecer por tempo mínimo equivalente ao período de afastamento. Se, porém, este mesmo brasileiro recebe bolsa estrangeira, ainda que esteja empregado em instituição federal de ensino, não há termo equivalente de compromisso. Lembro que alguns expressaram a seguinte preocupação: "Será que eles voltam?" Ou seja, o raciocínio acadêmico de alguns doutores reflete simples egoísmo, como crianças que temem perder a sobremesa. Parte-se do princípio de que o casal quer apenas dar um pequeno golpe na universidade brasileira. Eles receberiam salário do Brasil somado à bolsa inglesa e, quando concluíssem o doutorado, pediriam demissão daqui para seguirem outro rumo. O vínculo com um respeitado pesquisador daqui não foi o suficiente para convencer certas pessoas de que não havia motivo para preocupações. Além disso, vale dizer que, mais importante do que interesses mesquinhos imediatistas institucionais, é o desenvolvimento da Ciência. Mas este é um conceito considerado por muitos professores da UFPR como uma visão purista. Afinal, o que seria essa tal de Ciência?
Essa postura de desconfiança demonstra claramente um espírito não científico. Isso porque o risco faz parte do espírito criativo que desenvolve o conhecimento. É claro que a realidade pode mudar e o casal poderia decidir pela demissão da universidade brasileira após a conclusão do doutorado. Mas era um risco aceitável, levando-se em conta que ambos adoram o Brasil e têm famílias por aqui. Em nenhum momento os professores que decidiram pela negação ao pedido de afastamento quiseram ouvir o casal, apesar de solicitações neste sentido terem sido feitas tanto por mim quanto por eles. É assim que as coisas funcionam por aqui. Com desconfiança e medo. Somos macacos que não ouvem e não enxergam, mas falam e decidem.
O curioso é que conheci pessoalmente o caso de um carioca que teve bolsa brasileira para realizar estágio de pós-doutoramento nos Estados Unidos e que, ao término do estágio, não voltou ao Brasil. Ele conseguiu uma ótima colocação na mesma universidade onde fez o pós-doutorado. Ou seja, não é um termo de compromisso de legalidade questionável que convence um pesquisador a permanecer no nosso país. Para mantermos nossos bons pesquisadores e bons docentes em casa, precisamos de uma estrutura que viabilize o bom trabalho deles, algo que certamente o Setor de Ciências Exatas da UFPR provou ser incapaz de oferecer.
Ciência é uma atividade que deve ser estimulada principalmente entre jovens. Se um jovem demonstra interesse e competência, ele deve ser estimulado para prosseguir com seus estudos e projetos o quanto antes e nas melhores instituições. É isso o que se faz nas boas universidades. Se existe real preocupação com relação a aulas, é claro que professores melhor qualificados têm maiores chances de corresponder com a expectativa de boas aulas.
O desfecho do caso do casal de estatísticos não poderia ser diferente. Como eles trabalhavam há pouco tempo por aqui, não estavam contaminados com o mofo mental que domina os cérebros da maioria dos docentes mais antigos da UFPR. Portanto, pediram demissão e seguiram rumo para o Reino Unido. Após a conclusão de seus cursos, retornaram ao Brasil. Hoje ele é professor da Universidade Federal Fluminense, UFF. Ela é docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ. E a mentalidade daqueles que foram contra os dois pedidos de afastamento é a seguinte: "O Departamento de Estatística perdeu duas vagas." Isso mesmo! Eu ouvi isso! E mais de uma vez! "Perdemos duas vagas." É assim que as coisas funcionam por aqui. Professores representam mera mão de obra de docência. Professores ocupam vagas!
Em reuniões anteriores do Setor de Ciências Exatas houve discussões intensas (muitas vezes ridículas) sobre critérios de distribuição de minguadas vagas cedidas pelo Governo Federal. E apenas isso se torna visível diante dos olhos de muitos: qual será a carga horária semanal de aulas do próximo semestre?
Há muitos anos venho me desestimulando na UFPR. E este evento apenas se soma a tantos outros semelhantes ou piores. Foi na mesma época que ouvi de docentes ativos da vida administrativa acadêmica a seguinte frase: "Na UFPR o que conta é política e mais nada." Isso não seria problema se a política privilegiasse méritos acadêmicos. Mas não é o que acontece. Posso citar muitos outros exemplos.
O incrível é que raramente percebo má vontade na UFPR. O desejo consciente por sabotagem não é fator dominante. O que parece dominar é a mais pura e inocente ingenuidade. A maioria dos docentes parece realmente acreditar que executa um trabalho sério e eficaz. E essa mentalidade é praticamente impossível de combater. É muito mais fácil combater um vilão, que intencionalmente pratica o mal, do que crianças que não sabem o que fazem.
Para aqueles que duvidarem de meu testemunho relatado acima, faço a advertência de que tenho em mãos cópias dos dois processos de pedido de afastamento. Tenho em mãos até mesmo cópias dos pedidos de recurso, os quais foram tratados com desprezo ainda maior. Um dos pedidos de recurso foi indeferido pela 4.a Câmara Setorial. Ou seja, sequer foi considerado pela maioria dos membros do Conselho Setorial. O outro foi indeferido ad referendum pela Diretora do Setor.
Recentemente interrompi todos os projetos de pesquisa que eu havia registrado na UFPR. Pedi meu desligamento do programa de pós-graduação ao qual estava vinculado. Ninguém questionou meus motivos. Também não oriento mais aluno algum. Até abri mão de minha sala no Departamento de Matemática. Na UFPR tenho me limitado a lecionar e atender alunos. Fora da UFPR tenho me dedicado a projetos que, espero, contribuam mais do que tentei fazer pela instituição que me acolheu em 1990 como professor e em 1983 como aluno. Isso porque percebi que não tenho mais nada a fazer no escopo das atividades da UFPR em si, a não ser lecionar e atender alunos.
Para aqueles que estão dispostos a julgar minhas atitudes como reprováveis, digo que não sou caso isolado. O que faço aqui, e que se diferencia da postura de muitos, é simplesmente tornar os fatos públicos. Espero que outros sigam este exemplo. Somente diante do diagnóstico preciso é que algo pode ser feito a respeito da cura do câncer da vida acadêmica brasileira.
Quando o Governo Federal instituiu a Gratificação de Estímulo à Docência, anos atrás, finalmente surgiu uma rara forma de incentivo à produção. Minha pontuação sempre superava o dobro ou o triplo do necessário para ser contemplado com o valor máximo dessa gratificação. Mas, pouco tempo depois, o Governo Federal decidiu nivelar todos pelo teto. Os professores que tinham produção continuaram com a mesma renda. E aqueles que não tinham produção alguma passaram a ter significativo aumento salarial. Ou seja, de alguma forma, parece que a meritocracia é simplesmente impraticável nas universidades federais, pelo menos na forma como elas são hoje organizadas.
Minha esperança é que no futuro sejam tomadas as seguintes ações em todas as instituições federais de ensino superior: (i) fim da estabilidade do emprego para todos; (ii) adoção de políticas modernas e bem definidas de produção de conhecimento; (iii) estabelecimento de um código de conduta ou ética para docentes; (iv) efetivo e significativo reconhecimento dos mais produtivos; (v) programas de honors para estudantes; (vi) avaliações externas e independentes das instituições de ensino.
Dizem que a esperança é a última que morre. Mas o fato é que está explícito nesta máxima que ela também morre.
Observação Final: Cada imagem de cada postagem tem uma justificativa para seu uso. Normalmente evito explicitar tais justificativas. Mas sobre a imagem desta postagem acho interessante dizer algo a respeito. O que se vê no canto esquerdo superior é idêntico àquilo que se vê no canto direito inferior. Diferentes sensações de profundidade são percebidas simplesmente porque uma é a imagem rotacionada em 180 graus da outra. Ou seja, diferentes pontos de vista garantem diferentes impressões sobre o mesmo objeto. É uma forma de expressar as diferentes opiniões existentes sobre uma instituição como a UFPR.
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