Educação
Educadores: militarização de colégios reflete falência do sistema educacional
Para estudantes de dez colégios públicos de Goiás, a antecipação das aulas por causa da Copa do Mundo não é a única mudança no ano letivo de 2014. As dez escolas da rede estadual, por meio de parceria entre a Secretaria de Educação e a Secretaria de Segurança Pública (SSP), passaram a ser administradas pela Polícia Militar do Estado - e agora são colégios militares. Enquanto a SSP aponta a medida como um pedido da comunidade, educadores a encaram como um reflexo da falência do sistema educacional. A situação já gerou reclamações dos pais sobre taxas cobradas e até ação do Ministério Público.
Segundo o coronel Raimundo Nonato, porta voz da SSP, as funções da escola são divididas entre as duas secretarias. A parte administrativa e disciplinar, algumas atividades extraclasse e o atendimento são responsabilidades da PM, e a área pedagógica permanece sobre comando da Secretaria de Educação. “Alguns funcionários são substituídos por oficiais convocados, que são escolhidos de forma a não retirar profissionais das ruas. Não é uma intervenção da PM nas escolas. É uma parceria apoiada pela maioria da comunidade”, diz.
No entanto, Miriam Fábia, ex-diretora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG), afirma que é um equívoco pensar que há como administrar uma unidade de ensino sem interferir no trabalho pedagógico. “O papel de gestor exige que ele influencie em questões como carga horária, trabalho dos professores e disciplina”. De acordo com Iêda Leal, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação no Estado de Goiás (Sintego), alguns aspectos realmente mudaram. “Na maioria dos colégios militares não há período noturno, e as turmas reduziram. Os professores tiveram que buscar trabalho em outras unidades, para completar sua carga horária”, relata.
A justificativa dada pela SSP para a troca de comando das escolas é o pedido da maioria da população, “pela qualidade de ensino dos colégios militares e as aprovações em vestibulares. Não para conter a violência, como foi divulgado”, diz Nonato. O coronel calcula que 95% dos alunos, pais e professores apoiaram a troca. O discurso é questionado pelo Sintego. “Não houve consulta entre o governo e as comunidades escolares dos colégios militarizados. Os profissionais querem o debate”, critica Iêda.
A presidente do sindicato acredita que os educadores poderiam resolver os problemas das unidades sem o envolvimento da PM. “O Estado fugiu da responsabilidade. Em vez de investir na formação dos docentes, na estrutura escolar e na valorização profissional, preferiu transferir o problema para outra secretaria.” A medida é prejudicial também na opinião de Miriam. “Do ponto de vista dos educadores, não é papel da PM administrar escolas. A tarefa é da Secretaria de Educação. Com isso, se está assumindo a falência do sistema educacional, que as escolas são incapazes de lidar com seus problemas”. Ainda que possa haver projetos conjuntos entre as duas secretarias, Miriam acredita que os dez casos extrapolaram os limites. “As secretarias são instituições diferentes com funções distintas, que devem ser exercidas em sua plenitude”, completa.
A troca de comando nas escolas influencia na confiança da população no trabalho dos educadores, segundo Miriam. “Cria hierarquia entre elas. Isso contribui para a construção do senso comum de que escolas militares são boas e não militares são ruins. Enfraquece a luta dos educadores por escolas unicamente trabalhadas por profissionais formados em educação”, conta.
A professora declara que a administração da PM gera sensação de segurança, mas não extingue a violência nos colégios. “A violência, inegavelmente, faz parte da sociedade. A escola não está isenta dessa realidade, não é uma ilha. Para que a violência nas escolas diminua, os índices de criminalidade também devem diminuir.” Como alternativa, Miriam aponta a maior abertura da escola para a comunidade como redutor de problemas. Por exemplo, disponibilizar a área e os equipamentos didáticos para todos nos fins de semana. “Isso já vem sendo utilizado com sucesso em áreas tradicionalmente violentas. Diminui a depredação e gera respeito.” Defende ainda atividades coletivas que envolvam pais, alunos e professores.
Coronel Nonato ressalta que combater a violência não foi o foco da transformação dos colégios, ainda que impacte na questão pela presença da farda no ambiente escolar. “Naturalmente, o desvio de conduta se torna mais raro. Há o constante risco de ser preso.” Procurada pela reportagem, a Secretaria de Educação afirmou que o órgão que está comentando o assunto é a SSP.
Cobrança irregular de taxas foi revertida após intervenção do MP
Com novas escolas militares já em funcionamento, coronel Nonato afirma que a adaptação dos antigos alunos vem sendo tranquila. “Geralmente não existe choque e, se existir, será trabalhado pela coordenação com os pais e o aluno. A mudança cria até motivação a eles, com as novas atividades.”
Miriam também acredita que parte dos estudantes reage bem à nova organização, ao rigor e ao ambiente conservador, mas não são todos. “Os alunos pobres que não se adaptam, porém, não têm alternativa. O pagamento de taxas e a compra de material escolar e uniforme incomodam os pais, por menor que seja o valor”, defende.
Miriam se refere às cobranças de taxa de matrícula e mensalidade que passaram a ser obrigatórias após a militarização no Colégio Fernando Pessoa, em Valparaíso. O fato levou à intervenção do Ministério Público de Goiás (MP). “É permitido que escolas militares peçam contribuições voluntárias aos pais dos alunos matriculados, cujo valor é definido através de reuniões entre a direção da escola e o conselho dos pais. Porém, a cobrança compulsória é proibida. Não há discussão sobre isso”, explica Simone Disconsi, coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Educação do MP.
A ação do MP foi promovida em 22 de janeiro e deferida seis dias depois. “O Estado passa a ficar obrigado a garantir que os pais que não têm condições de arcar com as despesas possam matricular seus filhos em Valparaíso.” Segundo Simone, o caso se tornou ainda mais grave por ter ocorrido no período de adaptação após as mudanças. Em outras escolas recentemente transformadas em militares, como em Cidade de Goiás, Inhumas e Novo Gama, o pagamento das taxas passou a ser obrigatório. Porém, após pedido do MP, a situação irregular acabou. Segundo a SSP, 100% do valor arrecadado é revertido para a própria instituição de ensino, por meio de compras de equipamentos, promoção de atividades e eventos e quitação de despesas da unidade de ensino.
Os colégios
Confira, abaixo, as dez escolas públicas estaduais de Goiás que passaram a ser administradas pela Polícia Militar em 2014:
Colégio Clementina Rangel de Moura (Formosa)
Colégio Fernando Pessoa (Valparaíso)
Colégio José Carrilho (Goianésia)
Colégio José de Alencar (Novo Gama)
Colégio Manoel Vila Verde (Inhumas)
Colégio Nestório Ribeiro (Jataí)
Colégio Polivalente Gabriel Issa (Anápolis)
Colégio Professor João Augusto Perillo (Cidade de Goiás)
Colégio Tomaz Martins da Cunha (Porangatu)
Escola Pedro Ludovico (Quirinópolis)
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