Educação
Ciência e Ideologia
José Sarney tornou-se o primeiro Presidente da Nova República, em 1985. Diante de uma grave crise econômica em nosso país, no ano seguinte ele lançou por decreto-lei o Plano Cruzado, uma série de medidas econômicas que incluíam congelamento de preços de bens e serviços e congelamento da taxa de câmbio do dólar e da libra. Lembro bem da época. O primeiro Presidente civil, após o fim da ditadura militar, usou sua popularidade para convocar os "fiscais de Sarney", cidadãos comuns que deveriam garantir o congelamento de preços. Mesmo pessoas usualmente sensatas e equilibradas do ponto de vista emocional se transformaram em criaturas animalescas, denunciando (em meio a furiosas ofensas e ameaças) comerciantes que desejavam aumentar preços de mercadorias. Foi o início de uma nova ditadura.
Em 1995 Newton da Costa, Francisco Doria e Marcelo Tsuji publicaram um artigo no qual se demonstrava a existência de jogos não cooperativos (como ocorre em sistemas econômicos) nos quais era impossível calcular o equilíbrio de Nash. Para quem não conhece o tema, basta dizer que o equilíbrio de Nash é uma situação na qual nenhum jogador tem a ganhar mudando a sua estratégia unilateralmente. Por conta deste resultado, fica evidente o inevitável fracasso do Plano Cruzado, que de fato ocorreu, resultando em muitas ações judiciais até hoje em curso. Se o equilíbrio de Nash não pode ser computado, certamente não pode ser imposto.
Alguém poderia argumentar que o resultado de da Costa, Doria e Tsuji só passou a ser conhecido muito tempo depois do decreto do Plano Cruzado. No entanto, a teoria de jogos não cooperativos é conhecida desde 1950. E jamais foi determinado qualquer algoritmo que pudesse estabelecer o equilíbrio de Nash para um jogo não cooperativo qualquer. Ou seja, a decisão do Presidente José Sarney foi puramente ideológica, sem suporte científico. Daí o seu fracasso, com feridas não cicatrizadas que ainda persistem nos dias de hoje.
Este é o preço que se paga diante de posturas irracionais. Pessoas são comumente conhecidas por decisões irracionais tomadas diariamente. No entanto, governos devem ser muito mais cuidadosos, apesar de serem definidos por ações de pessoas. Este é um dos principais motivos do fracasso político de nosso país: a falta de decisões racionais.
Até pouco tempo atrás eu publicava postagens neste blog, mantendo uma ingênua esperança de discussões futuras sobre temas importantes. Após cinco anos de vida deste fórum, cheguei à conclusão de que sou uma pessoa sem visão prática dos fatos da vida. Quando discussões são promovidas, elas ocorrem de forma muito breve, fragmentada e predominantemente no Facebook. E o Facebook é um ambiente que simboliza o esquecimento. Isso porque Facebook é um mar de informações que rapidamente engole o passado, tornando-o obsoleto. Ou seja, Facebook é uma péssima mídia para a promoção de discussões socialmente pertinentes. Mas é uma ótima mídia para atender às necessidades imediatistas de seus usuários, que já somam parcela significativa da humanidade.
Portanto, o que me resta nesta época próxima do fim das atividades deste blog é apenas o compartilhamento de informações e opiniões com as poucas centenas de pessoas que pensam além dos problemas imediatos. E o tema desta postagem é o conflito entre ideologia e ciência.
Na postagem anterior à esta discuti muito brevemente sobre as relações existentes entre atividade sexual e capacidade cognitiva, citando Satoshi Kanazawa. E no Facebook me deparei com um comentário de Rodrigo Motta, o qual afirma: "Achei interessante a citação ao Satoshi Kanazawa. Ele é bem controverso, inclusive despertou a ira de muitos psicólogos cognitivos quando defendeu que a África é pobre porque negros possuem uma inteligência inferior."
No final do século 19 nascia na Inglaterra a eugenia, uma suposta teoria científica que visava o estudo de agentes que podem melhorar ou piorar qualidades raciais dos pontos de vista físico e mental. Parcialmente sustentados por conceitos da eugenia, muitas decisões políticas desastrosas resultaram em dor, sofrimento e morte. O exemplo mais dramático foi o extermínio de judeus, negros, homossexuais e ciganos durante o regime da Alemanha Nazista. Estranhamente, fala-se hoje muito mais a respeito do extermínio de judeus do que de outros segmentos sociais, como se eles fossem menos importantes. Por quê?
Mas o resultado dessas decisões políticas desastrosas, movidas muito mais por ideologia (e, portanto, por preconceito) do que por ciência, não se limitou ao extermínio de milhões. Atingiu também a própria atividade científica, até os dias de hoje.
Em blog de Scientific American, John Horgan recentemente levantou a seguinte questão: Pesquisas sobre raça e QI devem ser abandonadas?
Horgan faz um breve levantamento de pesquisas recentes sobre diferenças raciais, cognição humana e economia. Ele abre sua postagem citando o cientista social Jason Richwine, cuja tese de doutorado defendida na Universidade Harvard defende que o QI (quociente de inteligência) médio de imigrantes nos Estados Unidos é substancialmente inferior ao QI da população branca nativa daquele país. Posteriormente Richwine publicou um estudo que indica que a eventual anistia a imigrantes ilegais nos Estados Unidos custaria mais de cinco trilhões de dólares. E ele também afirma que ninguém sabe se hispânicos conseguirão algum dia desenvolver níveis de inteligência comparáveis aos de brancos, mas que a previsão de que novos imigrantes hispânicos terão filhos com QI inferior é difícil de contestar.
Richard Herrnstein e Charles Murray, também de Harvard (bizarra coincidência!), afirmaram em publicação de 1994 que programas para melhoria de desempenho acadêmico de negros podem ser inúteis, uma vez que esta categoria racial é naturalmente menos inteligente do que brancos. E até mesmo James Watson (ganhador do Prêmio Nobel e ex-professor de Harvard) afirmou que os problemas sociais da África se devem à inferioridade genética de africanos.
Horgan não cita Kanazawa, o qual é professor da London School of Economics e publicou no British Jounal of Health Psychology um artigo que endossa a visão de James Watson sobre o continente africano. Este trabalho criou considerável polêmica, dividindo opiniões entre pesquisadores de psicologia cognitiva.
John Horgan, autor da postagem publicada em blog de Scientific American (acima citada) sobre correlação entre raças e inteligência, conclui seu texto assumindo a postura do grande linguista Noam Chomsky: "Certamente pessoas são diferentes em suas qualidades biológicas determinadas. O mundo seria horrível demais para ser contemplado se este não fosse o caso. Mas a descoberta da correlação entre algumas dessas qualidades não é de interesse científico e nem socialmente importante, exceto para racistas, sexistas e semelhantes. Aqueles que argumentam existir uma correlação entre raça e QI e aqueles que negam isso estão contribuindo para o racismo e outros preconceitos, porque eles dizem isso assumindo que a resposta a esta questão faz alguma diferença."
A postura de Chomsky é fascinante, sem dúvida. Mas também é cientificamente questionável. Afinal, como saber se existe relevância sem a promoção de pesquisa? E se já foram apontadas possíveis consequências econômicas de diferenças raciais, por que não haveria relevância em tais pesquisas?
Ou seja, até que ponto o mundo hoje vivenciado por todos nós está preparado para a investigação científica? Até que ponto somos capazes de distinguir razão de ideologia? Como diferenciar um racista de um combatente do racismo? Como diferenciar um sexista de uma feminista? Se somos uma espécie que não consegue lidar sequer com sistema econômicos, como lidar com questões fortemente vinculadas a códigos morais? Afinal, moralidade existe há muito mais tempo do que ciência. E o peso da tradição é sempre muito forte.
Quando publiquei a postagem sobre sexualidade e cognição, recebi o seguinte comentário do jornalista José Galisi Filho, o qual editei para fins de reprodução neste blog:
"Adonai, li seu artigo apenas um vez, mas, como diabético, tenho uma espécie de "licença" e distanciamento naturais, para tentar refletir, como Freud, sobre aquela que é a fratura evolutiva mais brutal: a sexualidade. Você deve se lembrar de uma citação de Settembrini em A Montanha Mágica: 'A vida é uma febre da matéria'. A vida consciente é essa febre auto-reflexiva. Mas acontece que a sexualidade é literalmente uma 'astúcia', um estratagema da explosão pré-cambriana. Ela surgiu lá, é um mistério completo como simplesmente colonizou o planeta em tempo recorde, tudo se sexualizou. Muitos se perguntam se isso aconteceria em outros planetas, mas não é só isso, Adonai Sant'Anna, SEXUALIDADE (explosao cambriana) = VIOLENCIA, predação, são duas faces da mesma moeda, isso não é moral, um médico polêmico afirmou há duas décadas que a gravidez é uma guerra genética entre mãe e filho, como uma partida de xadrez que leva o sistema imunológico do hospedeiro aos limites. É um pensamento profundamente desagradável para os mamíferos. Se você é um cientista, não dá para ser cristão, a brutal violência evolutiva nasce na Terra com a sexualidade. Se você analisar meu blog Urania, perceberá que frequentei uma boa crítica feminista aqui em Hannover, há muitos ensaios sobre Alien e a fantasia castradora masculina de uma 'vagina dentada'. Muito bem. Acho que não dá para responder a nenhuma de suas perguntas sem levar um processo na cabeça. Ninguém vai gostar da resposta. Minha tia é uma bióloga famosa, autora de muitos livros didáticos sobre sexualidade adolescente (O Jô Soares já a entrevistou). Eu simplesmente a odeio por seu otimismo atroz e uma grande parte de meus esforços intelectuais desde a infância foram, ou uma tentativa de negar a versão Cândido/Voltaire dessa biologia, ou mais tarde seguir uma carreira militar (disfarçado de diplomata no CPCD) para acelerar as guerras inevitáveis em curso, pois assim estaria fazendo um favor 'à natureza'. O eixo de minha reflexão é o eros tecnológico e a hibris suicida de nossa espécie em busca do último orgasmo da guerra. Literalmente para Freud isso é a estrutura homossexual da paranoia. Eu sempre falava isso para ela: Tia, a sexualidade cambriana é muito brutal e ela dizia que tudo era maravilhoso, que o mundo era lindo por causa da sexualidade e aí eu percebi que por causa disso eu passei a ter alguns problemas intelectuais tentando ver as coisas como elas são no seu cerne, sem nenhum sistema moral. Para ela, a sexualidade era prova de que a vida tem o surplus de inteligência e seria um imperativo. Escrevi um ensaio acertando as contas com ela. Sobreviver significa, portanto, sobreviver a qualquer custo. Se a função da sexualidade é essa multiplicação e criar um excedente para a aritmética da seleção, uma espécie de 'linha de corte', uma vez cumprido o seu papel, por que continuamos a ter desejo? Por que o desejo sempre continua, não é? Os humanistas chamam isto de 'imaginação poética', a sexualidade criou um excedente. A sua pergunta é: 'Isto é INTELIGENTE?' Só pode ser inteligente se multiplicar, seja pela violência, pela predação indiscriminada. Alguma coisa deve estar errada nesta equação. Agora veja bem, se você quiser pensar em outra coisa que o desvie de pensamentos desejantes, veja. Quem precisa de feminismo?"
Não sei se o leitor está preparado para acompanhar as palavras de José Galisi Filho. Espero que sim. Mas se algum desconforto foi sentido, peço apenas que priorize a seguinte questão, ainda em aberto até os dias de hoje: como diferenciar ideologia de razão?
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