Educação
Assessor ou Lobista?
Na noite do primeiro dia deste mês assisti a uma palestra do economista Claudio de Moura Castro na Universidade Positivo. Este conferencista, aparentemente considerado um dos cem melhores do país, é Mestre em Economia pela Yale University e Ph.D. pela Vanderbilt University. Foi professor da Fundação Getúlio Vargas, da PUC do Rio e professor visitante em instituições como a University of Chicago e Université de Genève. Tem uma coluna quinzenal na Revista Veja e é assessor da Presidência do Grupo Positivo. Já publicou dezenas de livros e centenas de artigos em periódicos especializados de economia e educação. Como o tema da palestra era educação, fiquei empolgado. Sentei na primeira fileira do auditório.
Mas a profunda decepção foi quase imediata. Não foi fácil ficar até o final. Mas fiquei.
Já causou espanto a advertência de que a palestra não poderia ser gravada. Por que? Educação é algo que deve ser compartilhado somente entre uns poucos? Ou existe algum medo de que as ideias ali colocadas vazassem para fora da Universidade Positivo? Foi a primeira vez que vi uma palestra em uma universidade cujo conteúdo não poderia vazar para fora da instituição. Várias palestras e aulas minhas foram gravadas em vídeo, tanto no Brasil quanto no exterior. E nunca me importei com isso.
Em seguida ele esboçou a ideia principal da exposição. A revolução da educação, segundo Claudio de Moura Castro, deve ser travada em sala de aula. O conferencista ignorou por completo o fato de que educação está intimamente conectada com inúmeros outros nós da complexa rede social, como família, Governo Federal, governos estaduais, sindicatos, associações, mídia, estrutura sócio-econômica do país e dos estados e municípios, segurança, saúde e justiça.
A partir dessa premissa, e contando anedotas que incluíam a gigantesca foto de uma bunda, Castro apontou uma série de ideias mal qualificadas. Uma delas é a de que quanto mais uma pessoa estuda, mais ela sabe. E segundo este economista de insólitas ideias, não existem provas contrárias.
Como pode um profissional, com boa experiência internacional como a dele, defender algo assim? Um dos pontos que mais insistimos neste blog é justamente sobre os sistemáticos erros perpetuados no ensino de matemática de nossa nação. Ou seja, em muitos casos, quanto mais se estuda, menos se sabe. Ver, por exemplo, as postagens sobre trigonometria, como ler livros de matemática e 2+3=5?.
Castro também combateu a aula tradicional, sendo que em nenhum momento qualificou o que entende por este conceito. E o perturbador é que o conferencista também não abriu espaço para a platéia se manifestar durante a exposição. Ou seja, somente ele falou durante mais de uma hora. É essa a ideia de exposição não tradicional? Ou será que basta projetar em telões imagens com frases carregadas de erros de português, alguns rostos de cientistas famosos e uma bunda, para caracterizar uma aula não tradicional?
Mas não foi apenas o conferencista que me despertou atenção. A plateia também. Com exceção de duas pessoas, todas as demais estavam sentadas a partir da quarta fileira de poltronas. Havia um vácuo físico (e, consequentemente, psicológico) entre conferencista e ouvintes. Por que? Medo de se aproximar? A maioria das pessoas ali presentes eram professores da instituição. Por que se comportam como alunos que sentam perto da porta, para poderem sair o quanto antes?
Ao final da palestra, o mestre de cerimônias finalmente abriu espaço para perguntas. Imediatamente ergui a mão. Ele viu, mas ignorou. Talvez o fato de eu ser um desconhecido na casa, e estar logo à frente, tenha intimidado aquele cavalheiro. Mas como ninguém mais se manifestou e ainda insisti em meu gesto, o microfone foi passado para mim.
Cumprimentei Castro com um simples "boa noite" e ele simpaticamente respondeu. Em seguida expliquei que tive vontade de interrompê-lo inúmeras vezes para fazer várias perguntas, mas que não houve oportunidade. Então decidi perguntar apenas uma coisa: levando em conta que a educação faz parte de uma elaborada rede social (incluindo aqueles nós que já mencionei acima) como pode a revolução da educação ser travada apenas na sala de aula? Afinal, a prática mostra que professores, sozinhos, não podem alavancar revoluções sem o apoio de outros segmentos da sociedade, incluindo os donos de escolas, no caso de instituições privadas de ensino.
Castro fez nova brincadeira, dizendo que se o Governo Federal puder atrapalhar a educação, ele atrapalha. Em seguida começou a discursar algo muito confuso que lamentavelmente não tenho gravado. Ao final daquela verborreia apenas confirmei: Ou seja, você não vai mudar de ideia.
Castro demonstrou não gostar do que eu disse, mas reafirmou que a revolução na educação deve ser travada em sala de aula e apenas lá. Neste caso eu lhe disse que não tinha mais perguntas.
O mestre de cerimônias novamente abriu espaço para mais questões, mas aqueles trezentos professores ficaram em absoluto silêncio. Nem na Universidade Federal do Paraná vi tão pouca participação. Foi realmente um assombro.
Logo depois conversei com uma simpática professora da Universidade Positivo. Ela me perguntou que tipo de trabalho é o de Castro naquela instituição. Oficialmente ele trabalha como assessor da Presidência do Grupo Positivo. Mas o que exatamente ele faz?
Naquele instante eu não sabia responder. Mas depois, em casa, finalmente compreendi. Pelo menos naquele momento o tal do assessor do Grupo Positivo atuou como um lobista.
Não estou afirmando que ele é um lobista. Estou apenas afirmando que agiu como se fosse.
Castro não demonstrou preocupação séria com a educação brasileira. O que ele fez foi expor aquilo que a instituição espera de seus professores. Em outras palavras, Claudio de Moura Castro afirmou simplesmente que a responsabilidade da educação está nas mãos de profissionais como aqueles funcionários da Universidade Positivo e ninguém mais. Ponto.
Mas o que este conferencista não percebeu é que sua atitude é uma faca de dois gumes. Afinal, de acordo com o dicionário Houaiss de língua portuguesa, lobista é aquele que exerce "atividade de pressão de um grupo organizado (de interesse, de propaganda etc.) sobre políticos e poderes públicos, que visa exercer sobre estes qualquer influência ao seu alcance, mas sem buscar o controle formal do governo."
Como professores, em geral, não são políticos (no sentido estrito do termo), tomo a liberdade de interpretá-los metaforicamente como um potencial poder público. Mas isso somente pode acontecer se essa classe verdadeiramente se unir. E uma das formas disso acontecer é através da concepção de um Conselho Nacional de Docentes e seu consequente código de ética.
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