Educação
Apenas alguns livros - Parte III
Esta é a terceira (e, provavelmente, a última) parte de uma lista de recomendações bibliográficas em matemática, física teórica e filosofia da ciência iniciada em março de 2013. Para acessar a lista completa com todas as postagens de recomendações bibliográficas clique aqui.
Desta vez o tema da lista é um só: como desenvolver uma visão crítica sobre matemática. Naturalmente não tenho a insana pretensão de oferecer uma visão ampla o bastante para cobrir todas as áreas relevantes da matemática. Mas acredito que a lista abaixo possa propiciar uma bagagem matemática suficientemente madura para lançar eventuais interessados na direção de estudos avançados e independentes. Nesta lista não estão presentes referências sobre lógica ou história da matemática porque tais áreas já foram cobertas na primeira parte desta postagem. Recomendações de literatura sobre física matemática também já foram apresentadas neste link.
Aqui vai.
1) Topology, Klaus Jänich (Springer Verlag, 1995). Este é o texto mais didático que conheço sobre topologia geral. O autor assume pré-requisitos mínimos sobre teorias de conjuntos e consegue avançar gradualmente até tópicos avançados (como o inusitado teorema de Tychonoff) concatenando formalismo com visão intuitiva de forma excepcionalmente competente.
2) Differential & Integral Calculus, Volumes 1 & 2, Richard Courant (Blackie & Son, 1961). Este clássico da literatura é provavelmente a referência mais importante sobre cálculo diferencial e integral. No volume 1 o autor inicia com uma riquíssima visão de pré-cálculo e avança para os conceitos de limite, derivada e integral, abordando até mesmo métodos numéricos, séries de Fourier e equações diferenciais aplicadas em física. No volume 2 discute-se prioritariamente cálculo de funções de várias variáveis. Em 1998 a Springer Verlag editou uma versão atualizada deste livro, co-autorada por Fritz John e dividida em três volumes.
3) Lectures on the Hyperreals, Robert Goldblatt (Springer Verlag, 1998). Para que o leitor desta postagem não fique com a impressão de que cálculo diferencial e integral se resume àquilo que é discutido na obra de Richard Courant (citada acima), este livro oferece uma visão radicalmente diferente sobre o tema. Enquanto limites desempenham papel central na abordagem usual do cálculo, infinitesimais (números hiperreais estritamente positivos menores do que qualquer número real estritamente positivo) constituem a base para a análise não standard (uma forma diferente para desenvolver cálculo), a qual é tratada de forma magnífica neste livro de Goldblatt. Frequentemente livros sobre análise não standard são de difícil leitura para aqueles que não têm o devido treinamento em lógica matemática. Mas este é uma marcante exceção, devido à sua leitura extremamente fluida.
4) Foundations of Differential Geometry, Volumes 1 & 2, Shoshichi Kobaiashi & Katsumi Nomizu (Wiley, 1996). Confesso que nunca estudei esta obra do início ao fim. Mas aprendi muito com a leitura de diversos capítulos, principalmente na época em que trabalhei com teorias de gauge. É um clássico que tem se mantido atual durante décadas e ainda é a mais importante referência sobre teoria das conexões e classes características. No entanto a leitura não é fácil.
5) Projective Geometry, Volumes 1 & 2, Oswald Veblen & John Wesley Young (University of Michigan, 1910). Uma das idiossincrasias mais estúpidas da edução brasileira é o insistente discurso em sala de aula no qual professores afirmam que retas paralelas se encontram no infinito. Em geometria euclidiana, retas paralelas jamais têm interseção. No entanto, em geometria projetiva retas paralelas se encontram nos chamados pontos impróprios, ou pontos no infinito. Ou seja, sem qualificação de discurso não se faz matemática. Esta clássica obra de Veblen é uma excelente referência sobre geometria projetiva, cujo principal e mais surpreendente resultado é o princípio de dualidade. Geometria projetiva (o estudo de invariantes geométricos sob projeção) encontra importantes aplicações até mesmo em artes. Se o leitor quiser uma referência mais atual sobre o tema, recomendo o excelente Projective Geometry, de H. S. M. Coxeter (Springer Verlag, 2013).
6) Basic Set Theory, A. Shen & N. K. Vereshchagin (AMS, 2002). Para quem deseja uma visão ampla, indolor, didática e pouco exigente em termos de pré-requisitos, sobre teoria intuitiva de conjuntos, este é simplesmente o melhor livro. Tradução de original russo, o texto é marcado por objetiva visão conceitual seguida de exemplos criativos e exercícios estrategicamente elaborados. É um exemplo claríssimo do enxuto e eficiente estilo russo de aprender matemática. O livro avança de forma muito natural até assuntos importantíssimos como definições recursivas, ordinais, cardinais e o lema de Zorn. Em outros termos, é uma ótima introdução para quem deseja avançar seus estudos para teorias formais de conjuntos.
7) Finite Dimensional Vector Spaces, Paul R. Halmos (Literary Licensing, 2013). Esta é uma reedição (de responsabilidade de John L. Kelley) do grande clássico da álgebra linear. Frequentemente livros sobre álgebra linear são escritos de forma muito descuidada, algo que praticamente não acontece nesta obra. Até mesmo o título inspira confiança sobre o leitor, uma vez que o conceito de base de um espaço vetorial é muito mais ardiloso do que a maioria dos autores assumem. Existe tradução para o português. Quem estiver interessado em avançar seus estudos para análise funcional (conforme se anuncia no apêndice deste fabuloso livro) recomendo a obra de Kreyszig citada nesta lista.
8) Fundamentos da Geometria, Benedito Castrucci (LTC, 1978). Este é o mais belo livro de matemática originalmente escrito em português que conheço. Fortemente baseado na visão de David Hilbert sobre geometria euclidiana, mas em uma linguagem atual, esta obra rompe com a ingênua, infeliz, mas comum visão de que geometria teria alguma coisa a ver com o estudo de posição e forma de objetos no espaço. Uma vergonha este precioso livro estar fora de catálogo.
9) Real Analysis, Norman B. Haaser & Joseph A. Sullivan (Dover, 1991). A Dover é uma editora enfaticamente empenhada na reedição de clássicos da matemática, incluindo este. São poucos os livros de análise matemática tão dedicados na explicitação da linguagem usada para fundamentar este fundamental ramo do conhecimento. O corpo dos números reais, por exemplo, é discutido detalhadamente dos pontos de vista sintático e semântico, colocando esta obra como uma das mais cuidadosamente escritas sobre o tema.
10) An Introduction to Probability and Inductive Logic, Ian Hacking (Cambridge University Press, 2001). Os matemáticos que me perdoem por recomendar este livro e não outras obras mais ricas (do ponto de vista técnico) sobre teoria de probabilidades. Mas este texto apresenta a melhor motivação que já li a respeito do tema. O livro inicia com uma curta lista de problemas que supostamente podem ser resolvidos de forma meramente intuitiva e, ao longo de todo o texto, mostra claramente como as intuições humanas são gravemente falhas. E isso tudo é feito sem perder de vista a noção matematicamente precisa de que probabilidades são definidas a partir dos axiomas de Kolmogorov. É também uma ótima introdução à teoria das decisões.
11) Multivariate Data Analysis, Joseph F. Hair Jr, William C. Black, Barry J. Babin & Rolph E. Anderson (Prentice Hall, 2009). Traduzi duas edições deste espetacular livro para o nosso idioma. Texto extraordinariamente didático e completo sobre aplicações de métodos estatísticos em administração de empresas. No entanto, as mesmas técnicas podem ser aplicadas em todas as áreas do conhecimento que envolvam a análise de grandes volumes de dados ou informações, como certos ramos da engenharia e até mesmo da genética, entre outros.
12) Number Theory, George E. Andrews (Dover, 1994). Esta série de postagens sobre recomendações bibliográficas começou a partir de um pedido de um leitor, interessado em teoria dos números. Lamentavelmente nunca estudei de forma detalhada sobre esta fundamental área do conhecimento. Por isso, neste momento, serei guiado pelo critério de receptividade da comunidade matemática. Este é um dos livros mais citados na literatura especializada. Porém, levando em conta a data de publicação e o fato de que a teoria dos números tem avançado de maneira muito marcante nos últimos anos (incluindo o algoritmo AKS e até mesmo algoritmos quânticos, como o de Peter Shor), certamente é recomendável literatura complementar.
13) How to Teach Mathematics, Steven G. Krantz (AMS, 1999). Este é um texto que já recomendei diversas vezes neste blog. A maioria esmagadora dos livros sobre ensino de matemática não demonstra a mais remota preocupação com a prática de sala de aula, apesar de muitos anunciarem o contrário. Este é uma marcante exceção, talvez por ser escrito por um matemático e não um teórico da educação. Neste link discuto um pouco sobre o livro. E aqui o leitor encontra um texto de Krantz escrito exclusivamente para este blog.
14) Science Without Numbers, Hartry H. Field (Princeton University Press, 1980). Apesar do autor ser um tanto confuso quando fala, é brilhantemente claro quando escreve. Nesta referência única no gênero, Field defende de forma extraordinariamente convincente a tese nominalista de que objetos matemáticos (enquanto objetos abstratos) são desnecessários no estudo de física teórica. E, além disso, Field consegue demonstrar que sua formulação para a mecânica newtoniana (sem o emprego de números) é equivalente (em sentido preciso) a certas formulações usuais.
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