Por que ensinar matemática?
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Por que ensinar matemática?



Poucas coisas são mais tristes na educação do que um professor de matemática que não consegue justificar sua atividade profissional sem a eterna repetição de jargões cujos significados se perderam no tempo. Um professor de matemática pode justificar seu interesse nessa área do conhecimento por uma questão de gosto pessoal. Mas como gosto não se discute, esse tipo de atitude dificilmente contagiará qualquer massa crítica de alunos em uma sala de aula.

A velha história de que matemática ensina a pensar é algo subjetivo, vago e até ofensivo. É como se disséssemos aos alunos que eles não sabem pensar e que, por isso, devem assimilar os padrões ditados pelo mestre, sob pena de reprovação institucional. Ou seja, o embate entre aluno e instituição de ensino tem as proporções de um épico. E poucos percebem isso.

Se a atitude de pensar é individual, de que forma uma ciência tão repleta de padrões (pelo menos aos olhos dos discentes) pode ajudar nesta arte? Devemos nos submeter à retórica dos livros e apostilas para sermos livres pensadores?

Um dos erros mais graves no ensino da matemática em nosso país reside na impensada prática da repetição de autores de livros e apostilas e profissionais do ensino, os quais se esforçam a extremos para divulgar uma imagem de que a matemática é indiscutível, perfeita e acabada. Afinal, é uma ciência exata. Isso naturalmente intimida aqueles que não querem abrir mão de sua individualidade. Uma disciplina tão rígida pode engessar a mente, como realmente o faz na cabeça de muitos docentes.

Tomemos o exemplo da operação de divisão. Quantos são aqueles que afirmam que não faz sentido dividir por zero? Afirmar isso a um jovem é uma forma de contribuir para o engessamento de sua mente. E são inúmeros os autores e professores que repetem essa afirmação sem jamais refletirem sobre o que de fato estão dizendo. Matemática não se faz por princípios imutáveis. Do ponto de vista lógico, nada impede de se definir divisão por zero. Se usualmente não se divide números naturais, inteiros ou reais por zero, é por mera convenção. Os jovens deveriam ser instigados e pensar em matemáticas alternativas, como de fato existem, espalhadas pelo mundo que transcende o umbigo de nossos mestres. Ou seja, por que não questionar como seria uma matemática que permitisse a divisão por zero? Como ficaria o estudo de operações entre matrizes? E os sistemas lineares?

Matemática trata da definição de escopos, da qualificação de discurso. Quando se diz que não é possível subtrair números naturais, entenda-se com isso que a operação de subtração (como usualmente se faz entre números inteiros) não pode ser definida entre os números naturais. Mas nada nos impede de definirmos outro tipo de subtração entre números naturais.

Neste sentido, matemática não é a ciência do que faz sentido. Matemática é o exercício da qualificação de discurso. No âmbito de um dado sistema matemático, certas operações (por exemplo) podem ser executadas e outras não. Quando isso é aplicado nas ciências reais (física, química, biologia, linguística, economia, medicina, direito etc) conseguimos estabelecer mais facilmente o caráter epistemológico de tais ciências. A epistemologia se refere aos limites do conhecimento científico. Como na matemática se definem linguagens formais nas quais essa qualificação é muito precisa, o emprego de tais linguagens é um agente extremamente facilitador.

Não é possível descrever em uma linguagem natural como o português o funcionamento de um automóvel ou as dinâmicas de corpos celestes. Quando a matemática entre em cena, ela oferece uma linguagem que qualifica e que viabiliza aplicações tecnológicas formidáveis.

Ou seja, a matemática pode ser motivada por seu caráter aplicativo e filosófico. As aplicações são mais do que conhecidas. Cercam-nos a todo instante. Já a contraparte filosófica reside no poder de qualificação de discurso das linguagens matemáticas. Como filosofia é o exercício do senso crítico, matemática também o é. Consequentemente, matemática é motivo de discussão e não ferramenta de doutrinação.



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