Motivação para estudos universitários
Educação

Motivação para estudos universitários



O que mais vejo em sala de aula é apatia; olhares mortos de jovens que deveriam estar vibrando com a pluralidade de perspectivas em suas vidas futuras, mas simplesmente não estão. São raríssimos os alunos confiantes e, principalmente, motivados sobre o que estudam. E uma consequência natural da apatia é a ignorância. Vejo alunos de engenharia elétrica que jamais ouviram falar de Lofti Zadeh, Nikola Tesla ou Wilhelm Weber. Conheci turmas inteiras de cursos de matemática que jamais questionaram textos medíocres usados em sala de aula. E não são raros os alunos de graduações de música que reclamam de exigências simples, como o domínio de pelo menos dois instrumentos musicais. Naturalmente não há necessidade de enfatizar que uma consequência natural da ignorância é a incompetência profissional. Alunos sem motivação se tornam inevitavelmente profissionais incompetentes, se conseguirem concluir seus estudos formais.

No entanto, o problema da falta de motivação em estudos universitários não atinge apenas alunos brasileiros. Um exemplo interessante aparece no site da University of Victoria, no Canadá. Há serviços on-line de apoio psicológico para estudantes que não se sentem motivados. A presente postagem é parcialmente baseada neste serviço de apoio, com adaptações para a realidade brasileira. São apontadas, a seguir, algumas sugestões de procedimentos que devem servir como uma primeira orientação para o aluno desprovido de motivação.

1. Fui um bom aluno nos ensinos fundamental e médio, mas não consigo me adaptar à universidade. Neste caso o aluno deve, em um primeiro momento, comparar a estrutura de diferentes escolas. Em instituições de ensino fundamental e/ou médio comumente existe uma estrutura permanente de fiscalização e acompanhamento. Já a estrutura de universidades é muito diferente. Não existe acompanhamento, por exemplo, para a realização de tarefas de casa. Ainda que seja cobrada a presença em sala de aula em um curso superior, um eventual excesso de faltas em uma única disciplina não implica na perda de um ano inteiro de estudos no curso como um todo. Analogamente, a reprovação por nota em uma única disciplina não acarreta em consequências drásticas sobre outras disciplinas cursadas simultaneamente. Em suma, universidades têm uma estrutura menos rígida do que escolas de ensino básico. E uma mudança de um ambiente rígido (em termos de cobranças) para um ambiente mais livre pode ter um efeito desorientador sobre muitos alunos. Neste caso, a recomendação é a seguinte: o aluno deve criar seus próprios mecanismos de cobrança. Estabelecer horários de estudos, metas sobre conteúdos a serem dominados e encontros com colegas que tenham as mesmas metas certamente ajuda. Sem estudos diários é impossível realizar uma graduação bem feita. Assumir publicamente suas metas também é importante. Desta forma amigos e familiares irão naturalmente questionar se você está atingindo tais metas nos prazos anunciados.

2. Sinto-me apático. A escola não tem significado para mim. Para que servem esses assuntos sobre os quais estudo? É bem sabido que recompensas imediatas são mais motivadoras do que recompensas a longo prazo. E uma característica dominante do processo educacional é que os frutos colhidos em função de uma boa educação ocorrem quase sempre a longo prazo. Portanto, novamente o aluno deve ter a iniciativa, criando mecanismos de recompensa mais imediata. Uma forma usual e prática de atingir isso é através da participação de grupos de estudos e/ou pesquisa. Grupos de estudos formados por colegas ou professores servem de apoio para todos os envolvidos. Isso porque o grupo de estudos espera de cada membro demonstre efetivo aprendizado, para que o grupo, como um todo, avance. Naturalmente que um grupo de estudos deve ter uma estrutura rígida em termos de cronograma e metas. Seminários semanais apresentados por todos os membros em forma de rodízio obrigam a participação de todos. Pessoas engajadas em grupos não gostam de se sentir excluídas.

3. Eu me distraio com muita facilidade. Sem foco, não há aprendizado relevante e significativo. Portanto, distrações como navegar no facebook, procurar vídeos no YouTube, assistir televisão, ir a festas, visitar amigos, brincar com o cão de estimação, escutar música ou mesmo ir ao cinema certamente atrapalham qualquer estudo sério. Além disso, distrações comumente produzem frutos mais imediatos do que estudos, o que nos obriga a retornar ao item anterior. A recomendação é a seguinte: é mais fácil reduzir as oportunidades de distração do que tentar resistir a elas. Exemplo: é mais fácil desconectar o telefone do que dizer "não" a um convite feito por um amigo. E, levando em conta que o mundo nunca teve tantas distrações como nos dias de hoje, essa recomendação deve ser levada realmente a sério. Afinal, participações em grupos de estudos (conforme se apresenta no item acima) jamais funcionam sem o estudo individual de cada membro do grupo.

4. Às vezes questiono por que faço este curso. É mais fácil viver com pouco dinheiro, mas fazendo o que gosta, do que com muito dinheiro, mas sem interesse no que se faz. Sempre existem pessoas que julgam saber o que é melhor para você. No entanto, a única pessoa que tem algo a perder é você. Isso porque quem o aconselha tem a própria vida, a qual é simplesmente independente da sua. Chantagens emocionais não apresentam reflexos no mundo das coisas práticas. Exemplo: Se um pai exige que seu filho seja advogado, esta postura jamais definirá se a carreira deste filho será um sucesso ou um fracasso. A recomendação é a seguinte: estude aquilo que atrai seu interesse. Se você não souber o que lhe atrai, converse com profissionais experientes em áreas que têm potencial para despertar seu interesse. Se sua decisão não ocorrer na época em que sua família e seus amigos esperam que isso aconteça (na época do vestibular), não há motivo para alarme. Mas quanto antes a decisão for tomada, melhor. Porém, uma observação importante deve ser feita: qualquer que seja o caminho escolhido, sempre existirão tarefas desagradáveis pelo caminho. 

5. Quando começo a estudar, fico entediado. Nada parece entrar na minha cabeça. Esta é uma situação na qual a pessoa lê um texto, mas nada é assimilado. É algo muito diferente dos efeitos nocivos de distrações. A palavra que melhor descreve tal situação é simplesmente "tédio". Se este caso não for explicado pelo item 4, provavelmente você só está adotando a estratégia errada de estudos. A recomendação é a seguinte: questione o texto estudado! Um erro típico de alunos é assumir que somente eles devem ser avaliados, no processo educacional. Porém, tanto professores quanto autores de livros, apostilas e sites devem ser questionados e avaliados. Sobre este tema discuto de forma detalhada nesta postagem publicada em 2011. Desafiar de forma crítica e inteligente a autoridade não é apenas uma forte motivação, mas também a alavanca que faz o mundo avançar. 

6. Aconteceu comigo um evento fora de meu controle e isto está interferindo em meus estudos. Uma tragédia na família ou até mesmo um divórcio (entre outros possíveis exemplos) podem desequilibrar uma pessoa o bastante a ponto de prejudicar seus estudos. Porém, a vida acadêmica não para por sua causa. Neste caso, vale lembrar que toda universidade conta com mecanismos de apoio para aqueles que sofrem com interferências externas, como segunda chamada de avaliações ou medidas mais drásticas, incluindo trancamento de disciplinas ou de curso. Tais mecanismos devem ser usados sempre que necessário, para evitar prejuízos de longo termo, como quedas abruptas de rendimento escolar registradas em histórico oficial. 

Três anos atrás o professor Hew Strachan (da University of Oxford) proferiu uma palestra sobre o problema da motivação em combate. Mesmo entre militares existe o grave problema de falta de motivação nos dias de hoje, o que demonstra que este mal ocorre não apenas entre jovens estudantes. 

Recentemente também foram divulgados estudos sobre as motivações de manifestantes em protestos públicos que têm ocorrido nos últimos anos em países como Ucrânia, Índia, Egito e Brasil, entre outros. E a conclusão destes estudos aponta para uma única causa dominante: a alta do preço de alimentos. Ou seja, apesar de inflamados discursos de manifestantes sobre educação, justiça, segurança e saúde, a verdade é simplesmente outra. Se o preço de alimentos subir, isso cria condições extremamente favoráveis para manifestações populares violentas. 

Neste blog e em outras mídias já apresentei argumentos suficientemente convincentes (creio eu) para articular manifestações massivas de jovens contra instituições de ensino brasileiras que perpetuam uma educação que piora dia após dia. No entanto, razão não opera como agente motivador. Motivação é simplesmente um sentimento, sem base racional. Mas, apesar disso, ainda é possível usar a razão para entender melhor os mecanismos da motivação. E entender tais mecanismos pode ajudar consideravelmente as pessoas a compreenderem melhor a si mesmas. 



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