Matemáticos Cegos
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Matemáticos Cegos




Assim como há muitos talentos que deixam o Brasil, existem também aqueles que sequer têm a chance de serem reconhecidos. Há vários fatores de ordem social que justificam isso, que vão de questões raciais a sócio-econômicas e até preconceitos contra deficientes físicos. Ilustro aqui o último caso, baseado parcialmente no artigo "The world of blind mathematicians", publicado em Notices of the American Mathematical Society 49 10 1246 – 1251 (2002), por A. Jackson.


Há muitos matemáticos cegos no mundo. E diversos deles são geômetras, talvez até a maioria. Se a geometria, como erroneamente pensam muitos, exige contato com a noção de forma no mundo físico, como explicar então os magníficos trabalhos de pesquisa hoje realizados por matemáticos cegos? 


Um dos mais prolíficos matemáticos da história foi o suíço Leonhard Euler, no século 18. Nos últimos dezessete anos de sua vida, Euler ficou completamente cego. E ainda assim, metade de seus oitocentos e cinqüenta artigos foi produzida durante o período de absoluta deficiência visual. Teve o apoio, para escrever seus manuscritos, de dois de seus filhos e de membros da Academia de São Petersburgo. 


Alguém poderia alegar que ele era um gênio, uma anormalidade, capaz de proezas que outros não podem realizar. Talvez faça sentido. Mas há demais exemplos de matemáticos profissionais cegos que estão espalhados pelo globo. Euler foi apenas o mais famoso.


Bernard Morin é mundialmente conhecido por um trabalho no qual mostra como virar uma esfera do avesso sem cortá-la. Em seu apartamento há modelos em argila que reproduzem em três dimensões as diferentes etapas dessa inversão da esfera. Ele mesmo esculpiu esses modelos nas décadas de 1960 e 1970, para facilitar a visualização de suas ideias para outras pessoas. Morin é cego. 


Lawrence W. Baggett, matemático cego que é professor na Universidade do Colorado, quando questionado sobre como consegue lidar mentalmente com complicadas fórmulas matemáticas, modestamente responde: “Bem, é difícil para qualquer um”. 


Mesmo cegos praticamente de nascença têm se destacado na matemática, como foi o caso do inglês Nicholas Saunderson, no século 18. Ele perdeu completamente a visão com um ano de idade por conta de varíola. Isso não o impediu se tornar fluente em francês, grego e latim. Tornou-se professor Lucasiano de Matemática na Universidade Cambridge, ocupando a mesma cátedra que foi de Isaac Newton e, recentemente, de Stephen Hawking, outro deficiente físico, o qual certamente não precisa ser apresentado ao leitor. 


Na Rússia temos A. G. Vitushkin, um cego do Instituto Steklov em Moscou. Ele trabalha com análise complexa. 


A França já produziu diversos matemáticos cegos, sendo que Louis Antoine é um dos mais ilustres. 


Eu poderia dar muitos outros exemplos de matemáticos com deficiências visuais graves, bem como outras deficiências físicas, mas a questão não é essa. O fato é que mesmo uma deficiência física como a cegueira não impede um indivíduo de alcançar notáveis resultados intelectuais. E pergunto: Onde estão nossos matemáticos cegos? Há algum cientista brasileiro cego? Desconheço. Por que? Nossos cegos não têm capacidade intelectual o suficiente, se compararmos com cegos da França, Inglaterra, Estados Unidos ou Rússia? Ou simplesmente estamos dizendo que não precisamos deles? O quê exatamente não estamos vendo diante dessas questões?


A famosa educação inclusiva tem sido conduzida em nossas terras como um processo formativo ou como mero ato de piedade contra deficientes físicos e mentais? É este o motivo para a não existência de cientistas cegos?


É claro que, segundo o IBGE, 90% dos casos de cegueira em nosso país ocorrem em regiões mais pobres. Mas isso justifica o fato de uma nação mais populosa do que França e Inglaterra jamais ter tido um matemático cego?



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