Educação
O Estudante Brilhante
Esta história é uma tragédia não recomendável para as mentes tolas. Elas podem se sentir inconvenientemente inteligentes.
Era uma vez um estudante chamado Brilhante. Brilhante não era um estudante comum, pois ele era mais inteligente do que qualquer um dos seus professores. Certa vez o professor Mula perguntou:
- Se uma turma de GEO ANAL (abreviação para Geometria Analítica) tem 30 alunos, e 10 destes alunos estudam em uma turma de TOPO TUDO (abreviação para Topologia Geral), quantos alunos que estudam apenas GEO ANAL?
Eloquentemente Brilhante responde:
- Não sei. Em primeiro lugar, o fato de haver 10 alunos de GEO ANAL em uma turma de TOPO TUDO não significa que não possa existir mais alunos de GEO ANAL em TOPO TUDO. Onde há 11 alunos, certamente há 10 alunos. Onde há 12 alunos, certamente há 10 alunos. Ou seja, o enunciado do problema é vago em termos quantitativos, deixando claro apenas que pelo menos 10 alunos de GEO ANAL estudam TOPO TUDO. Em segundo lugar, o fato de haver 30 alunos em uma turma de GEO ANAL não permite inferir que algum deles sequer estuda GEO ANAL. Pelo contrário, a experiência tem mostrado que cada vez menos alunos estudam os assuntos abordados em uma sala de aula. A única hipótese assumida sobre estudos foi a de que pelo menos 10 alunos da turma de GEO ANAL efetivamente estudam TOPO TUDO. Em terceiro lugar, a questão sobre a quantia de alunos que estudam apenas GEO ANAL não está devidamente qualificada. Levando em conta o evidente descuido do professor para formular um enunciado, existe a possibilidade de não haver correlação alguma entre as premissas e a pergunta feita ao final. Ou seja, qual é o universo de discurso do professor? O senhor está falando do universo formado pelos alunos da turma de GEO ANAL ou do universo de todos os alunos do mundo?
Professor Mula ficou perplexo. Ele achava que Brilhante era um bom aluno. Mas Brilhante disse "Não sei." Portanto, a nota é zero.
Indignado, Brilhante recorreu em uma instância superior: o colegiado do curso. Mas os pares de Mula (Teimoso, Soneca e Zangado) apoiaram a decisão do professor. Demonstrando uma rara empatia por Brilhante, Soneca conversou com o jovem estudante:
- Você sabe muito bem o que Mula quis dizer. Por que simplesmente não fez as contas e respondeu? A resposta era simples. 20.
Brilhante então percebeu que ele deveria adivinhar o que Mula queria dizer. Palavras por si só não têm significado, mesmo que os aspectos sintático, semântico e pragmático da linguagem pudessem ser dominados. Palavras precisam estar associadas não àquilo que elas mesmas expressam, mas àquilo que o professor gostaria de dizer. Brilhante decide então colocar esta tese à prova. Ele provoca Soneca:
- Deus existe?
Estranhando a pergunta, Soneca responde:
- Sim. Deus existe. Sem dúvida.
- Deus existe para todos os homens?
- Não. Alguns homens não acreditam em Deus.
- Deus existe para todos os homens para os quais Deus não existe?
- Sim. Independentemente dos homens crerem ou não em Deus, Deus existe.
- Deus existe para todos os homens para os quais Deus não existe para todos os homens para os quais talvez Deus exista para todos os homens para os quais Deus jamais poderia existir para todos os homens para os quais Deus morreu para todos os homens para os quais Deus sempre viverá para todos os homens para os quais Deus é bom para todos os homens para os quais Deus talvez exista?
Soneca não conseguiu responder. Brilhante reage:
- O senhor sabe o que eu quis dizer. Por que não responde?
Soneca dormiu.
Brilhante sabia que as linguagens humanas são instrumentos maravilhosos de comunicação, mas que também encerram armadilhas igualmente formidáveis. A espécie humana se orgulha de suas palavras, das grandes obras literárias, das grandes ideias científicas. Mas esta mesma espécie não percebe que, mesmo empregando vocabulário comum e regras gramaticais usuais, pode ser colocada diante de questionamentos incompreensíveis pela primitiva e grotesca mente humana.
Como pode alguém responder se Deus existe sem qualificar o que é Deus? E mesmo que qualificasse, como ter certeza da existência de algo sem definir o que é existência? E mesmo que definisse, como compreender uma questão que apela de maneira tão dramática à recursividade das linguagens naturais? Ou seja, somos todos criaturas primitivas e de intelecto extremamente limitado. E ainda assim alguém tem a pretensão de querer ensinar algo a outro ser humano? Como evitar que um professor seja uma besta se todo profissional do ensino está limitado à trágica condição humana?
Brilhante então decidiu, na solidão de seu quarto:
- Quero viver entre meus pares. Portanto, devo me adaptar. Se eu tiver sorte na escola, com meus exercícios de telepatia, conseguirei abraçar uma profissão. Serei professor.
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Nota de 24/10/2014: Para uma continuação desta história clique aqui.
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