Educação
Formando Jovens Pesquisadores
Joaquim Gomes de Souza foi o primeiro matemático brasileiro a ter reconhecimento internacional, por conta de seu trabalho de pesquisa. Souzinha, como era conhecido por seus colegas, graduou-se e concluiu o doutorado em ciências matemáticas aos dezenove anos de idade, em 1847. Em 1855 apresentou um trabalho à Academia de Ciências de Paris e teve esta contribuição divulgada pelo físico inglês George Stokes, na Sociedade Real de Londres, no ano seguinte.
Para os padrões brasileiros da época este foi um feito incrível. Se fosse uma história de ficção, estaria evidentemente exagerada. Afinal, as teses de doutorado em matemática no Brasil do século 19 não passavam de meros textos expositivos sobre conteúdos que poderiam ser facilmente encontrados em livros disponíveis em nossas insípidas bibliotecas. Neste sentido, Souzinha talvez tenha sido o mais brilhante matemático que nosso país já produziu, levando em conta suas contribuições em contraste com as condições do ambiente da época.
Este feito só foi repetido mais de um século depois em nosso país. Carlos Matheus Silva Santos se sentia entediado na escola, pois não encontrava desafios. Na oitava série já estava pensando em abandonar os estudos, quando os pais tomaram uma atitude. Eles apresentaram o rapaz para Valdenberg Araújo da Silva, então chefe do Departamento de Matemática da Universidade Federal do Sergipe, que ficou pasmado com o talento matemático de Carlos Matheus. Aos quatorze anos o jovem prodígio se mudou para o Rio de Janeiro, onde começou a estudar no Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), o mais importante centro de pesquisas e estudos em matemática do país. Aos dezenove anos concluiu o doutorado em matemática na mesma instituição. Ainda assim foi obrigado a realizar estudos posteriores de graduação em matemática na Universidade Federal do Rio de Janeiro, para ter seu diploma de doutor validado pelo MEC.
Ou seja, a visão de que não há talentos de destaque no Brasil é institucionalizada através das rígidas regras que consideram a educação como algo que deve ser galgado em degraus. Enquanto países como os Estados Unidos não só reconhecem seus jovens intelectualmente precoces como merecedores de apoio, mas também criam condições facilitadoras, o Brasil simplesmente fecha os olhos para seus próprios talentos. A máquina burocrática se impõe sobre o indivíduo, exatamente como aparece no filme Brazil (Brasil, o Filme), de Terry Gilliam. Nosso país vive a realidade da opressão de um Estado que ainda tem a cara-de-pau de se considerar democrático.
Em muitos casos, as contribuições científicas mais importantes da história foram feitas por jovens entre seus dezessete e vinte e poucos anos. Especialmente em matemática, a capacidade de processar muitas informações e resolver complexos problemas é algo que se mostra de forma muito mais evidente na juventude. Mas nosso rígido, burocrático e perverso sistema educacional e social impõe limites que fazem com que, na melhor das hipóteses, o indivíduo obtenha o doutorado quase na casa dos trinta anos de idade, o que representa evidente atraso ao próprio país. Segundo Reinaldo Guimarães e colaboradores, a maioria dos doutores até 2000 no Brasil obtiveram o título quando tinham idade entre 30 e 39 anos.
Logo depois Carlos Matheus fez pós-doutorado no College de France, sob supervisão de Jean-Christophe Yoccoz, um dos nomes mais importantes da matemática mundial e ganhador da Medalha Fields em 1994.
Apresento abaixo recomendações para mudar nossa dura realidade. No primeiro bloco são apresentadas sugestões institucionais. A seguir apresento recomendações dirigidas a jovens que pretendem ser pesquisadores no Brasil, levando em conta o que hoje vivemos.
Sugestões Institucionais
1) O Brasil precisa de mais programas escolares voltados a super-dotados, a exemplo do EPGY em Stanford, o qual conheci de perto. A ideia é muito simples. Estudantes cursam, por exemplo, disciplinas de graduação durante o ensino médio ou mesmo o ensino fundamental. Quando ingressarem em um curso superior, podem conquistar equivalência em disciplinas e, desse modo, concluir a graduação em tempo reduzido.
2) Precisamos de programas de honors em cursos de graduação e ensino médio e fundamental. Um estudante de graduação que se destaque em seu curso de forma excepcional, poderia receber um certificado de conclusão com honors. Seria uma espécie de carta de recomendação institucional e permanente, na qual a instituição exalta a inteligência, dedicação, criatividade ou demais características marcantes do estudante em questão. Isso seria um agente facilitador no processo de busca por estudos mais avançados ou mesmo empregos. Se o vestibular fosse abolido ou pelo menos modificado de forma a incluir entrevistas e avaliações de desempenho no passado, um programa de honors também poderia ter efeitos marcantes para o estudante de ensino médio que deseja ingressar em um curso superior. É claro que sempre existe a neurótica preocupação com a possibilidade de fraudes em programas como o que sugerimos, principalmente levando-se em conta o fato de que vivemos em um país no qual a impunidade a crimes é algo rotineiro e manobras ilícitas são comuns. No entanto, a prática pode ser muito diferente, mesmo que estejamos cercados por fraudadores. Fraudes não se propagam por muito tempo. Acabam sendo descobertas, pois se tornam facilmente inconsistentes com outros dados que cercam a vida do estudante fraudador. E instituições que estivessem com seus nomes associados a casos desse tipo perderiam rapidamente credibilidade diante de qualquer contexto social. Os programas de honors não são apenas benéficos para aqueles que recebem tal honraria, mas para as instituições que as emitem também. Jovens que carregam em seus CVs atestados de honors e que correspondem às melhores expectativas de seus empregadores, não deixam de fazer relevante propaganda das instituições escolares de origem. Não há a necessidade de ostensiva fiscalização governamental sobre qualidade de ensino. Instituições seriamente comprometidas com suas reputações são aquelas que têm mais chances de vencer perante a dura e competitiva realidade. Não defendo com isso a ausência do Governo Federal em decisões sobre questões educacionais. Mas certos procedimentos de fiscalização exercidos por órgãos governamentais são exagerados e mal colocados.
3) Precisamos instituir em todos os níveis escolares o reconhecimento do notório saber. Se uma pessoa demonstra conhecer conteúdos escolares dentro de parâmetros toleráveis, não há necessidade dela efetivamente realizar tais estudos, assistindo aulas em uma instituição de ensino reconhecida por governos. Temos que estimular nossos talentos!
Sugestões para Jovens
1) Em uma palestra, o grande físico brasileiro Mario Schoenberg disse que jovens interessados e talentosos devem ter acesso aos grandes centros de pesquisa a partir dos quinze anos. Ou seja, se você está preso a cansativas aulas de ensino básico (fundamental e médio), procure por motivações reais. Matricule-se em disciplinas de graduação (em universidades ou faculdades públicas) e consiga a aprovação. Não há necessidade de ser matriculado em uma universidade para fazer disciplinas isoladas em instituições federais de ensino superior. Quando você finalmente ingressar em qualquer universidade ou faculdade, pode entrar com pedido de equivalência de disciplinas. Mas tome cuidado, pois muitas vezes esses pedidos de equivalência são negados. Procure cursar disciplinas isoladas em instituições respeitadas nacionalmente. E esteja preparado para entrar com ações na Justiça, se necessário. A partir do momento em que existem casos de ações judiciais bem sucedidas de educação domiciliar, pedidos de equivalência se mostram como problemas menores.
2) Se você é aluno de graduação, procure por professores pesquisadores para realizar projetos de iniciação científica. Não importa se o projeto não é reconhecido formalmente pela instituição. O que interessa é que você faça um projeto que renda publicação, preferencialmente em veículo especializado de circulação internacional. Ou seja, você deve ser orientado por um pesquisador que tenha produção relevante e consistente ao longo dos anos. Evite professores que somente publicam em anais de congressos ou periódicos locais. Esse tipo de produção é absolutamente irrelevante ou, pior, espelha um covarde. O que interessa são os pesquisadores que publicam nos melhores periódicos de suas áreas. E não confie em fontes como a plataforma Lattes, para obter informações sobre a produção científica de supostos pesquisadores. Através de computadores cadastrados em universidades federais e estaduais, acesse o Web of Knowledge, disponível a partir de www.periodicos.capes.gov.br. Lá você descobre quem realmente tem produção científica relevante.
3) Use a internet para trocar ideias com os melhores pesquisadores de sua área de interesse. Ou seja, aprenda inglês. Em ciências exatas, por exemplo, português é língua morta.
Em suma, fique longe dos pseudo-intelectuais. Intelectual não é aquele que sabe repetir conteúdos de livros. Intelectual é aquele que produz conhecimento relevante. E a mais confiável forma para reconhecer produção intelectual é através de publicação nos melhores veículos especializados e citações feitas por pares.
Para finalizar, reproduzo abaixo a poesia Estupidez, de Lars Eriksen.
Pela sua natureza, a Humanidade
sempre teve expoentes de estupidez.
De vários tipos, por exemplo,
o que através do riso,
utilizado como sabre,
insiste em ser sarcástico.
(Atitude que implica em olhar sem
expressão,
em cara alvar.)
Qual Mefistófeles da burrice,
só caminhando de cócoras,
só cuspindo para cima.
Embora procure legislar para o mundo,
urina no próprio riso,
indivíduo horizontal,
porco mental,
vivendo ao rés do chão...
Animal que se afoga nas fezes que expele,
desejando defecar nos outros.
Projeto de homem,
repudiado no Inferno
para não o enlamear.
Lingüiça de trapo,
inteligência de comadre.
Homem-verme, de fato minhoca,
no qual não se diferencia
a parte de baixo da de cima.
Proto-homem, indigno
de descender do macaco.
Ave do lodo, de mau agouro.
Sombra da podridão,
o lugar onde se projeta
arruína, cria disputa, divide, imunda.
Imundice física, psíquica e moral
Monstro fétido, nauseabundo,
cujo fedor contamina
o mais puro ambiente.
Espírito deitado,
que não se apóia nos pés,
por não enxergar a linha vertical.
Idiota, de cara lavada,
que nunca aprendeu a ser sério.
Mente sem equilíbrio,
na qual o conhecimento não levou à
sabedoria,
mesmo à sabedoria rudimentar.
...
Eis o intelectual
convencido da própria superioridade,
o troglodita cuja caverna
é sua imensa boçalidade.
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