Educação
Entrevista com o Paleontólogo Dr.Felipe Pinheiro: Especialista em pterossauros
Olá caro leitor, hoje vamos ficar por dentro de várias curiosidades sobre os pterossauros.Primeiramente, agradeço ao paleontólogo Felipe Pinheiro que aceitou a proposta da entrevista e respondeu todas as perguntas que fizemos a ele sobre pterossauros. Agradeço também, aos parceiros do Colecionadores de Ossos e aos demais colegas que ajudaram a elaborar essas perguntas.
Então, vamos a entrevista!!!
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Anhanguera blittersdorffi - Maurilio Oliveira |
1- O que são pterossauros?
R: Desde a extinção em massa que ocorreu no final do período Permiano (há pouco mais de 250 milhões de anos) as faunas terrestres do nosso planeta foram dominadas, em maior ou menor grau, por um grupo de “répteis” que persiste até hoje: os arcossauros. Na Era Mesozóica, os arcossauros se diversificaram em inúmeras linhagens, desempenhando os mais diversos papéis ecológicos. Os dois únicos grupos de arcossauros que sobreviveram aos sucessivos eventos de extinção ocorridos desde a origem destes animais e podem ser observados como componentes das faunas atuais são os crocodilos e as aves. Inúmeras outras linhagens pereceram ao longo do tempo. Dentre elas estão os dinossauros não avianos, vários animais pertencente ao grupo evolutivo que deu origem aos crocodilos e, claro, os pterossauros. Ou seja, os pterossauros são “primos” relativamente próximos das aves atuais e outros dinossauros. São, também, primos um pouco mais distantes dos crocodilos. Ainda assim, os pterossauros possuem inúmeras características anatômicas que nos fazem reconhecê-los como um grupo à parte. Ou seja, ao contrário do que se lê por aí, pterossauros não são dinossauros! Essas características incluem, por exemplo, o quarto dedo da mão extremamente alongado, apropriado para a sustentação de uma membrana que permitia o vôo. Os últimos pterossauros foram extintos no mesmo evento que dizimou os dinossauros não avianos, no final do período Cretáceo.
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Caiuajara dobruskii - Marcos Paulo |
2- Quando surgiram os primeiros pterossauros e quais são os mais antigos conhecidos?
R: Os primeiros pterossauros são encontrados em rochas do final do período Triássico (pouco mais de 210 milhões de anos atrás). Quase todas as espécies de pterossauros triássicos, como o famoso Eudimorphodon e o menos conhecido Preondactylus, foram encontradas em países da Europa, como Itália e Áustria. Recentemente, um animal muito interessante foi descrito como sendo um pterossauro primitivo para o Triássico do Rio Grande do Sul. Seu nome, Faxinalipterus mínima, faz homenagem à cidade de Faxinal do Soturno, onde o bicho foi encontrado. O problema do Faxinalipterus é o estado fragmentário do fóssil: apesar de os ossinhos apresentarem algumas características típicas de pterossauros, o material incompleto não permitiu ainda um consenso entre os cientistas sobre a real natureza do animal. Assim, pode ser que o Faxinalipterus pertença a outro tipo de “réptil”. Recentemente, colegas da Argentina anunciaram a descoberta de mais um pterossauro Triássico. O novo bicho, entretanto, ainda não foi oficialmente descrito e batizado. Esses novos achados parecem indicar que a América do Sul também fazia parte da rota dos primeiros pterossauros... E quem sabe o que as rochas do Triássico do Rio Grande do Sul vão um dia revelar!
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Fóssil do Eudimorphodon |
3- Qual a utilidade da crista em algumas espécies de pterossauros?
R: Várias espécies de pterossauros possuíam cristas extravagantes na cabeça. Algumas delas eram formadas por ossos cobertos por tecidos moles, enquanto outras eram totalmente ou majoritariamente constituídas de tecidos moles. Desde que os primeiros pterossauros com cristas foram descobertos, cientistas passaram a se perguntar sobre a função dessas estruturas. Alguns deles acreditavam que os pterossauros utilizavam as cristas para mudar de direção durante o vôo, enquanto outros afirmavam que elas poderiam ter funcionado como radiadores de um carro, ajudando a dissipar o calor produzido pelo metabolismo do bicho. Hoje, praticamente todos os pterossaurólogos acreditam que as cristas eram estruturas coloridas e chamativas, utilizadas para exibição sexual. Esse comportamento é comum em animais atuais, estando particularmente presente nas aves, os animais vivos mais aparentados aos pterossauros. Um exemplo muito citado é o da vistosa cauda do pavão, que tem, como única função, atrair fêmeas!
4- Os pterossauros tinham cuidado parental com a prole?
R: Essa é uma pergunta difícil de responder com os dados que temos hoje. É claro que o comportamento de um animal extinto não pode ser observado diretamente. Assim, dependemos sempre de pistas deixadas pelos fósseis para inferências comportamentais. Os pterossauros eram um grupo bastante diverso no mesozóico, e é possível, inclusive, que algumas espécies apresentassem cuidado parental e outras não. Algumas evidências nos mostram que pterossauros extremamente jovens já possuíam ossos nas proporções certas para permitir o vôo. Essas observações apontam para a ausência de cuidado parental, já que, pelo menos como se observa nas aves atuais, o cuidado parental cessa quando o indivíduo já é capaz de voar e se virar por conta própria. Outras descobertas mais recentes, como o pterossauro paranaense Caiuajara dobruskii, mostram indivíduos de diversas faixas etárias em direta associação, o que poderia apontar para um hábito gregário (os bichos viveriam em bandos) e, possivelmente, algum nível de cuidado parental. Essa pergunta só poderá se respondida com maior confiança à luz de novas descobertas.
5-Qual era a relação do Tupandactylus em seu ecossistema? Qual era seu nicho ecológico e habitat?
R: Ainda que não existam estudos específicos sobre a alimentação e modo de vida do Tupandactylus, esse pterossauro possui uma anatomia de certa forma parecida com a do Tapejara, um animal por vezes interpretado como frugívoro. Acredito, entretanto, que essa inferência de hábitos alimentares tenha sido realizada com base em evidências muito restritas. O Tupandactylus era, possivelmente, um animal onívoro, comendo pequenos invertebrados, sementes e frutos às margens do grande lago costeiro que deu origem à Formação Crato da Bacia do Araripe, onde seus fósseis são encontrados nos dias de hoje. A alimentação dos pterossauros tapejarídeos está sendo atualmente investigada por nosso grupo de pesquisa.
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Fóssil do Tupandactylus imperator |
6- Há evidência de que o Tupandactylus fazia travessias continentais?
R: Até hoje, espécimes de Tupandactylus foram encontrados apenas no Brasil (mais especificamente, na Chapada do Araripe, interior do Nordeste brasileiro). Assim, não temos evidências diretas de que esse animal poderia fazer travessias continentais. Ainda assim, parentes muito próximos desse animal foram encontrados no Paraná, na China e na Europa, sugerindo que os tapejarídeos (grupo ao qual pertencia o Tupandactylus) foram cosmopolitas e passaram por grandes migrações durante sua história evolutiva.
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Tupandactylus imperator - John Coway |
7- Como era a alimentação dos pterossauros?
R: Boa parte dos pterossauros conhecidos são interpretados como piscívoros. Entretanto, o grupo era extremamente diversificado e conhecemos pterossauros insetívoros, carnívoros, onívoros, durófagos (comedores de organismos com carapaça dura), possivelmente frugívoros, etc.
8- Em "O Mundo Perdido" de Sir. Arthur Conan Doyle os Pterosauros são considerados ancestrais diretos das aves. Em algum período houve essa teoria realmente?
R: Quando os primeiros fósseis de pterossauros foram encontrados, sua anatomia era tão bizarra que os naturalistas da época não sabiam ao certo onde encaixar os novos bichos. Com base em uma compreensão ainda limitada da morfologia dos pterossauros, alguns naturalistas atribuíram esses animais a diversos grupos já conhecidos, como as aves e, até mesmo, mamíferos marsupiais. A hipótese de um parentesco direto com as aves voltou a ser considerada em outros momentos mas, hoje, está completamente abandonada. O primeiro cientista a propor uma natureza “reptiliana” aos pterossauros foi o francês Georges Cuvier.
9-Por que pterossauros não podem ser considerados aves?
R: Na história evolutiva dos animais, cada grupo acabou adquirindo características próprias, utilizadas pelos cientistas na identificação de seus integrantes. Isso significa dizer que as aves têm características particulares, algumas delas são bem diferentes das condições observadas nos pterossauros. Às vezes se faz alguma confusão, já que aves e pterossauros são vertebrados adaptados ao vôo. É importante saber, entretanto, que as adaptações para o hábito aéreo surgiram independentemente nos dois grupos e são, anatomicamente, bem diferentes entre si. As asas das aves são formadas por ossos fusionados (os mesmos ossos que formam nossos dedos e punhos). As penas estão fixadas nos tecidos associados a esses ossos e a outros ossos do braço. No caso das aves, a sustentação necessária para o vôo é gerada pelo fluxo de ar sobre e sob as penas. O caso dos pterossauros é bem diferente. As asas desses animais era uma membrana rígida sustentada pelos ossos dos braços, pernas, e por um quarto dedo da mão extremamente alongado (geralmente maior do que o restante do braço). As diferenças entre pterossauros e aves não se restringem às adaptações para o vôo, e estão espalhadas por todo o esqueleto. Ainda assim, as aves são os bichos atuais mais aparentados aos pterossauros, e o fato de os dois grupos compartilharem hábitos ecológicos semelhantes faz com que muitas inferências biológicas para pterossauros sejam realizadas com base no que é observado nas aves atuais. |
Observe as diferenças: figura 1- Pterossauro figura 2- Morcego e figura 3- Ave |
10-Há evidências de que os pterossauros possuíssem penas?
R: Alguns fósseis de pterossauros muito bem preservados nos mostram que estes animais eram cobertos por estruturas parecidas com os pelos de mamíferos. São as chamadas picnofibras, e teriam a função de isolamento térmico e exibição sexual (possivelmente eram bastante coloridas). As picnofibras não eram penas, mas as duas estruturas podem ter uma história evolutiva em comum. Essa questão ainda está em aberto, mas promete ser respondida em breve, com a compreensão detalhada da anatomia das tais picnofibras e a descoberta de outros animais bem preservados pertencentes à mesma linhagem evolutiva dos pterossauros e dinossauros (os chamados ornitodiros).
11- Qual o maior e o menor pterossauro encontrado no Brasil?
R: Um grupo de cientistas brasileiros descreveu, recentemente, um esqueleto parcial atribuível ao gênero Tropeognathus e que teria uma envergadura de mais de oito metros. Até agora, esse é o maior pterossauro já encontrado em rochas do Brasil. Se o gaúcho Faxinalipterus minima for mesmo um pterossauro, ele sem dúvidas seria o menor. Esse animal é conhecido por poucos ossos isolados, o que não permite uma estimativa acurada de sua envergadura. Entretanto, com base nos materiais reportados, ela dificilmente passaria de 50 cm. Sem considerar o Faxinalipterus, o título seria dado ao Caiuajara e ao Tapejara. Os bichos possuem tamanhos parecidos. No caso do Caiuajara, existem espécimes juvenis de tamanhos diminutos, mas os indivíduos adultos não eram assim tão pequenos (pouco mais de dois metros de envergadura). Os maiores espécimes conhecidos de Tapejara eram um pouco menores do que um Caiuajara adulto. Entretanto, até agora, conhecemos apenas espécimes jovens de Tapejara.
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Tropeognathus mesembrinus - Maurilio Oliveira |
12- Felipe, qual o seu pterossauro favorito?
R: Outra pergunta difícil. Acho que tenho um carinho especial pelo próprio Tupandactylus.
13- Os pterossauros tinham algum tipo de vocalização?
R: Provavelmente sim. Como regra geral, os tetrápodes apresentam vocalizações. Não existem estudos específicos sobre isso para pterossauros... Afinal, dificilmente as vocalizações podem ser inferidas através do registro fóssil.
14- Como os pterossauros se locomoviam no solo?
R: Essa questão já gerou bastante debate entre paleontólogos. Hoje temos certa certeza de que os pterossauros se locomoviam de forma quadrúpede. Essa conclusão é baseada não só na própria osteologia dos animais, mas também em pegadas fossilizadas.
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Quetzalcoatlus - Mark Witton Este foi um dos maiores pterossauros que já habitaram nosso planeta.
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15-Quais as dificuldades de estudar pterossauros ? Por que você seguiu essa área?
R: Acho que, por vários fatores independentes, os pterossauros estão dentre os vertebrados fósseis mais difíceis de estudar. Em primeiro lugar, o grupo foi completamente extinto no final do período Cretáceo, não deixando representantes viventes. Isso é particularmente problemático quando se faz inferências sobre a anatomia de tecidos moles, fisiologia e ecologia desses animais. A ausência de representantes viventes implica que boa parte das inferências é feita com base em animais atuais não tão aparentados, o que gera uma maior probabilidade de erros. Em segundo lugar, os pterossauros possuíam ossos delgados e delicados, difíceis de preservar no registro fóssil. Isso faz com que restos de pterossauros sejam raros e, na maior parte das vezes, tenham sofrido distorções durante a fossilização. Em alguns casos raros, como o que acontece na Formação Romualdo (de onde vem a maior parte dos pterossauros brasileiros), os ossos estão preservados tridimensionalmente, mas essa é uma feliz exceção. Em terceiro lugar (e isso afeta principalmente os paleontólogos brasileiros), os fósseis de pterossauros estão entre os mais contrabandeados da Bacia do Araripe. O tráfico ilegal de fósseis é um problema sério e fósseis brasileiros atingem altos preços no mercado negro internacional. Paleontólogos brasileiros que estudam pterossauros têm que ter a consciência de que vários espécimes importantes encontrados no Brasil estão depositados em museus e universidades do exterior, o que dificulta bastante seu estudo. Em alguns casos, ainda mais tristes, espécimes estão depositados em coleções particulares e dificilmente podem ser estudados.
Acho que o fato de ser cearense foi decisivo em minha opção por estudar pterossauros. Desde criança eu me interessava por fósseis e paleontologia. Também quando criança, visitei várias vezes a região do Cariri, onde a maior parte dos pterossauros brasileiros foi encontrada. Nos museus, os fósseis de pterossauros eram sempre os que chamavam mais atenção... e, aos poucos, fui me afeiçoando a esses bichos!
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Felipe Pinheiro em trabalho de campo
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Sobre o entrevistado
Felipe é biólogo pela Universidade Federal do Ceará com doutorado em Paleontologia pela Universidade Federal do Rio Grande Do Sul. Hoje é professor de Paleontologia na Universidade Federal do Pampa, São Gabriel, RS.
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