A Realidade de Hoje da Melhor Professora de Matemática do Brasil
Educação

A Realidade de Hoje da Melhor Professora de Matemática do Brasil




Lembram quando prometi postagens sobre extraordinárias reações humanas? Pois bem. Esta é a primeira. A segunda será veiculada em breve.

Em 2001 Vilma Ana Damborowiski (na época, Vilma Ana Schlup Sant'Anna) foi eleita, pela Fundação Victor Civita, a melhor professora de matemática do país. Era o Prêmio Professor Nota 10, hoje conhecido como Prêmio Educador Nota 10. A entrega da honraria foi em um teatro lotado, contando com a participação de autoridades e celebridades, incluindo o então Ministro da Educação Paulo Renato Souza. O evento foi transmitido por televisão e divulgado na revista Veja, entre outras mídias. 

Se o Brasil fosse um país sério, a Professora Vilma estaria hoje exercendo atividades educacionais e políticas que poderiam mudar significativamente a horrível situação de nossa educação básica em âmbito nacional. No entanto, passada a febre do momento, a realidade que ela vive hoje é a mesma insana luta da maioria esmagadora dos docentes desta miserável nação: educar em um ambiente que não entende o que é educação. 

Acompanhem a seguir o depoimento da Professora Vilma. 


_________


Fui convidada pelo Professor Adonai Sant'Anna para contar um pouco da minha vida profissional. Espero que este relato possa ser útil e que, de alguma forma, contribua com a educação de nossas crianças.

Sou professora de matemática há vinte anos e já tive bons e maus momentos no magistério. Fiz licenciatura na Universidade Federal do Paraná e alguns cursos posteriormente. Porém, nada se compara com a formação que adquiro dentro das salas de aula, trabalhando com os alunos. 

Conheço a realidade das escolas particulares e do ensino público. Trabalhei com a educação de jovens e adultos e também com ensino superior. Já lecionei física, química, desenho geométrico e matemática, a qual pode englobar (dependendo de como é trabalhada) muitas disciplinas. Sempre gostei de ensinar. Quando criança, a minha brincadeira preferida era de escolinha. E eu adorava ajudar meus irmãos nas tarefas escolares.

Acredito que o fato mais marcante na minha vida profissional tenha sido o Prêmio Professor Nota 10, que recebi da Fundação Victor Civita no ano de 2001. Foram 3741 trabalhos inscritos e, além do prêmio, recebi críticas extremamente positivas e incentivadoras. Nessa época eu trabalhava no Colégio Martinus Júnior (Curitiba, PR) e a metodologia que aplicávamos era o construtivismo e o ensino pela pesquisa. A nossa ideia era fugir de um ensino sem significado. 

Para desenvolver os conteúdos partíamos de uma situação-problema e frequentemente acabávamos na elaboração de um projeto. O meu objetivo, no momento, era ensinar a operação de divisão para uma turma de sexto ano, antiga quinta série. Contudo, não poderia utilizar apenas listas de exercícios e atividades mecânicas. Os alunos deveriam ter um objetivo maior. 

Neste caso, estabelecemos que deveríamos descobrir por que a professora de geografia fazia comparações como: "Se considerarmos o tamanho da Terra como o tamanho de uma laranja, Plutão terá o tamanho de uma semente de mostarda". 

A situação-problema estava escrita no quadro, pela professora de geografia. Em seguida começamos os questionamentos com os alunos. Hipóteses foram levantadas e, em pouco tempo, estávamos trabalhando com proporções, escalas, miniaturas, intermináveis divisões, transformações de unidades, noções de geometria e médias. As médias apareceram porque nós precisávamos dos raios dos planetas. Tínhamos cinco livros de geografia e, consequentemente, cinco raios diferentes para cada planeta. Este trabalho foi realmente memorável. Lembrar-me dessa época aquece meu coração e fico esperançosa em relação ao futuro. O trabalho que desenvolvíamos nessa escola era inovador. Mas os resultados não eram tão imediatos. Recebíamos críticas severas e, muitas vezes, ouvi que eu apenas brincava com os meus alunos. Convencer os pais dos alunos, acostumados ao ensino tradicional, era realmente um desafio. Esse prêmio foi um marco e, a partir daí, as minhas dúvidas se transformaram em certezas. Não mudei a minha forma de pensar, porém adquiri maior segurança. 

Hoje trabalho em uma escola estadual e o perfil dos meus alunos não é diferente do que tenho visto por aí. Continua sendo um desafio diário preparar aulas que sejam motivadoras e fazer com que os alunos percebam a diferença do futuro que podem ter com uma boa educação. Ainda sou da opinião de que, quanto mais investimentos forem feitos na educação, menos presídios deverão ser construídos.

Percebo que a escola sempre teve um papel importante. Porém, hoje o seu papel é fundamental em nossa sociedade. Estou vendo que as famílias estão se desagregando e deixando a cargo dos professores a educação das crianças. Tenho dúvidas se a escola está conseguindo desempenhar bem, mais essa função. 

No último dia de aula de 2012, nas proximidades da escola onde leciono, houve um velório. Não é uma situação agradável. Mas é a lei natural da vida. Assim que cheguei, os alunos vieram me contar que quem estava sendo velado era um rapaz de vinte e cinco anos, morto por dívidas com o tráfico de drogas e um ex-aluno do nosso colégio. Fiquei atordoada. Há poucos anos aquele jovem frequentava a mesma escola onde estávamos, brincava no pátio e deveria ter sonhos, como as crianças que falavam animadamente comigo naquele instante. Quando foi que o perdemos? Onde falhamos? Qual teorema estávamos ocupados em demonstrar quando não percebemos o momento em que esse garoto decidiu fugir da realidade e mergulhar no mundo das drogas?

Leciono na única escola de ensino fundamental e médio de uma ilha com vinte mil habitantes. Essa quantidade é maior do que a população de alguns municípios. A escola possui em torno de dois mil alunos, quatro turnos diários, em média quarenta alunos por turma, com um intervalo de dez minutos entre um turno e outro, o que não permite prévia limpeza das salas de aula. As salas são de madeira e não puderam ser demolidas, pela grande quantidade de alunos. Não há quadra coberta. Na região do litoral o sol é muito intenso e o calor é insuportável. As salas possuem apenas dois ventiladores, que nem sempre estão funcionando. É necessário que se faça algo? Acredito que sim. Porém, o que ouvimos de nossas autoridades: "A situação é temporária". Há cinco anos essa comunidade espera a construção de uma nova escola.

Além de todas essas adversidades, ainda precisamos analisar que tipo de educação as crianças recebem nos seus lares. Muitos alunos, principalmente os adolescentes, não possuem limites. Simplesmente agem livremente, sem seguir normas ou regras. Muitos desafiam apenas para tumultuar a aula e testar o limite do professor. Parece que o objetivo maior é interferir na aprendizagem dos colegas, como um despeito: "Se não consigo aprender, meu colega também não aprenderá." 

No início de 2012, em uma turma de nono ano com quarenta e dois alunos, um deles se recusou a fazer as atividades que propus. Pedi que fizesse a tarefa. Perguntei-lhe se possuía dúvidas. Mas o indivíduo queria conversar com os colegas. Então, decepcionada, solicitei que o mesmo saísse da aula e fosse para a Coordenação. Depois de muitos palavrões e insultos dirigidos a mim e à minha mãe, retirou-se da sala. Eu poderia ter acionado o Conselho Tutelar. Porém, decidi primeiro falar com a família do garoto. Quase que por um milagre, a mãe do aluno apareceu depois de alguns dias e justificou o comportamento do filho, dizendo que ele vivia com a avó, e era assim mesmo, não respeitava ninguém. Respondi-lhe que aquele comportamento era inaceitável e que, da próxima vez, eu tomaria outras providências. Depois deste fato, o menino passou a frequentar as aulas, evitava conversar e teve rendimento razoável. 

Outro fato marcante aconteceu em 2010, quando chamei a atenção de um aluno de dezesseis anos, que estava na quinta série. O garoto respondeu-me instantaneamente: "Você está muito corajosa hoje. Sei onde você mora." Estupefata, eu lhe disse que conhecia os meus direitos e, se alguma coisa acontecesse comigo, ele seria responsabilizado. 

Analisando esses episódios e alguns outros parecidos, pergunto como faremos diferença na vida desses jovens, que não possuem limites, que são revoltados, que possuem baixa autoestima, que aprendem com os próprios pais a menosprezar a educação, ignoram o caminho natural para abrirem seus horizontes e conquistarem uma vida melhor.

Discutimos o rendimento dos universitários brasileiros. Mas talvez o foco deva ser como o aluno está saindo do ensino fundamental e médio. Hoje, no ensino básico, o rendimento dos alunos é muito facilitado. Todo mês o estudante deve fazer uma prova de recuperação no valor de cinco pontos, além de, no mínimo, três avaliações diferentes. As tarefas de casa já foram abandonadas, por muitos professores, porque, mesmo fazendo a verificação diária, muitos alunos apenas copiam ou respondem de qualquer forma e a atividade que traria a sedimentação dos conteúdos perde simplesmente a utilidade. 

Falta a conscientização dos pais, que devem fazer um acompanhamento diário das tarefas escolares dos seus filhos. Até 2012, aqui no Paraná, tínhamos quatro aulas semanais de matemática no ensino fundamental, com pelo menos quatro avaliações mensais, com uma média de cento e sessenta provas por turma, resultando em seiscentas e quarenta avaliações para serem corrigidas em cada período de vinte horas. E uma questão adicional: a maioria dos professores precisa trabalhar em dois períodos. Logo, cerca de mil e duzentas e oitenta provas, para serem corrigidas mensalmente! O professor está virando máquina e, mesmo querendo fazer um trabalho criativo ou motivador, o tempo é exíguo, causando falta de qualidade no ensino e uma  aprendizagem apenas superficial. 

A escola, muitas vezes, deixa de cumprir a sua função primordial de mudar os valores dos nossos alunos. Todo ano é a mesma rotina. Começo sempre pelo ensino da tabuada. E, para garantir, eu a entrego digitada em papel cartão. Isso porque sei, com antecedência, que a mesma não será decorada e não será possível seguir adiante. Como ensinar, por exemplo, cálculo de potência, se o aluno desconhece a multiplicação? A esperança é que, durante o ano, se utilize tantas vezes a tabuada, que os alunos acabem por assimilá-la. 

Este é apenas um exemplo. É claro que se um aluno não domina algum conteúdo devemos resgatá-lo. Só que, enquanto resgato conteúdos, deixo de apresentar os conteúdos da série. E, no próximo ano, esse mesmo indivíduo terá as mesmas dificuldades e assim sucessivamente. 

Sou uma professora apaixonada pela educação e pelos meus alunos. Acredito que não existe fórmula mágica, mas tem jeito. É investimento a médio e longo prazo. Se não nos unirmos para mudar esse quadro, não precisaremos investir recursos nas universidades e sim em presídios e cemitérios.



loading...

- Saresp
O texto abaixo foi escrito por Cibele Sidney, professora da rede pública de ensino médio do estado de São Paulo. Ela faz uma incisiva crítica ao Saresp, Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo. José Carlos Rothen, pesquisador...

- Antagonizando Bp Fallon
O jornalista Ignácio de Loyola Brandão, ex-bolsista Fulbright e ganhador do Prêmio Jabuti de literatura, foi um dos membros da comissão julgadora que elegeu Vilma Ana Damborowiski como a melhor professora de matemática do Brasil em 2001. Durante...

- Depoimento: Professores Cirurgiões
O texto que se segue é de autoria do Professor Marlon Soares, ex-aluno meu do Curso de Física da Universidade Federal do Paraná. Hoje ele é dono da empresa IEA - Soluções Educacionais. Em 2011 fiz uma pesquisa com 500 alunos (um considerável espaço...

- A Paleontologia Na Sala De Aula, é Um Tema Extinto?
Ola caro leitor. Hoje venho expressar minha opinião sobre o ensino de Paleontologia nas Escolas Públicas do Ensino Básico. Não irei relatar aqui os fatos de mal interesse de muitos na escola em questão do aprendizado. Irei citar algo que acredito...

- A Realidade Da Escola: Um Mundo Que Poucos Conhecem
Por Denise B. Garcia * A realidade que se vê dentro da escola é bem diferente daquela estudada nos livros de pedagogia. O que predomina é a pedagogia tradicional, onde se vê professores nas salas de aulas enchendo o quadro de textos e os alunos escrevendo...



Educação








.