A Filosofia do Medo
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A Filosofia do Medo



A última postagem deste blog rapidamente se colocou entre as mais visualizadas desde 2009, o que demonstra que o tema desperta interesse. No entanto, algumas pessoas julgam que o levantamento realizado sobre pesquisadores do CNPq não foi justo. Muitos alegam que filosofia tem certas peculiaridades diferentes de áreas como matemática, física ou ciências biológicas. Por conta disso, em filosofia não se poderia usar critérios internacionais de publicação em periódicos especializados (indexados em Web of Knowledge - WoK) para fins de avaliação de produtividade acadêmica. Como eu mesmo não entendo o que seriam essas peculiaridades (apesar de meu doutoramento ter sido em filosofia, pela USP), resolvi aplicar os mesmos critérios de avaliação sobre outros filósofos que trabalham em diferentes partes do mundo. Vejam os resultados preliminares:

R. Lanier Anderson (Stanford University). Ele tem nove artigos em periódicos indexados em WoK. Um dos artigos tem doze citações.

Christopher Bobonich (Stanford University). Ele tem catorze artigos em periódicos indexados em WoK. Um deles tem doze citações.

Michael E. Bratman (Stanford University). Ele tem vinte e sete artigos publicados em periódicos indexados em WoK. Um deles tem cento e noventa e duas citações.

Solomon Feferman (Stanford University). Ele tem quarenta e nove artigos em periódicos indexados em WoK. Um deles tem quarenta e seis citações.

Otávio Bueno (University of Miami). Este brasileiro que trabalha nos Estados Unidos é autor de pelo menos* trinta e dois artigos em periódicos indexados em WoK. Um deles conta com dez citações. 

Walter Carnielli (Unicamp). Outro brasileiro que já publicou pelo menos* trinta e três artigos em periódicos indexados em WoK. Um deles tem quarenta e quatro citações.

Jean-Yves Beziau (UFRJ). Este francês trabalha atualmente no Brasil e conta com pelo menos* doze artigos em periódicos indexados em WoK. Um deles tem 4 citações.

Simon Evnine (University of Miami). Tem doze artigos em periódicos indexados em WoK. Um deles conta com dez citações.

Susan Haack (University of Miami). Tem pelo menos* quarenta e um artigos em periódicos indexados em WoK. Um deles tem doze citações.

Frank Arntzenius (University of Oxford). Conta com vinte e oito artigos publicados em periódicos indexados em WoK. Um deles tem trinta e três citações.

Brian Leftow (University of Oxford). Cinquenta artigos em periódicos indexados em WoK. Um deles tem cinco citações.

Simon Saunders (University of Oxford). Autor de pelo menos* vinte artigos veiculados em periódicos indexados em WoK. Um deles tem quarenta e uma citações.

Em suma, comparando os exemplos acima com a produção filosófica daqueles que são supostamente a elite da área em nosso país, ficam evidentes os seguintes fatos:

1) Se existe alguma expressividade internacional na produção filosófica brasileira, ela não está representada pela maioria dos pesquisadores do CNPq, pelo menos no nível mais alto, 1A. 

2) Se existe alguma relevância nas pesquisas de profissionais como Guido Antonio de Almeida (UFRJ), Ivan Domingues (UFMG), Luiz Henrique Lopes dos Santos (USP), Marilena de Souza Chauí (USP), Nelson Gonçalves Gomes (UNB), Oswaldo Chateaubriand Filho (PUC-Rio), Paulo Eduardo Arantes (USP), Raul Ferreira Landim Filho (UFRJ), Renato Janine Ribeiro (USP), Ricardo Ribeiro Terra (USP) ou Roberto Cabral de Melo Machado (UFRJ), ela é praticamente ignorada pela comunidade filosófica internacional. São todos eles pesquisadores nível 1A do CNPq, mas com produção quase invisível no cenário mundial.

3) A filosofia que parece ser praticada no Brasil é a filosofia do medo. Assim como existem alunos que são dominados pelo medo de participar de aulas, também existem professores/pesquisadores que têm medo de expor suas ideias perante o mundo. Este é o inconveniente perfil da filosofia no Brasil: ela é marcada por publicações predominantemente locais. 

Outras críticas foram feitas à postagem sobre pesquisadores do CNPq. Algumas pessoas demonstraram claramente nunca terem ouvido falar de Web of Knowledge. Houve quem dissesse que Web of Knowledge "não está com nada". Tais reações também são consistentes com um Brasil não apenas isolado do resto do planeta, mas perigosamente ignorante e ingênuo. 

Sempre ouço pessoas dizerem, em tom de conformismo: "É a realidade brasileira. É a realidade brasileira..." E sempre respondo: "Não existe uma realidade brasileira. Brasil é uma Ilha da Fantasia." O nosso país comumente confunde trabalho com ocupação. Raramente se trabalha neste país. Vivemos em uma nação na qual gente demais se mantém simplesmente ocupada de segunda a sexta e vegeta nos fins de semana. Mas, em produção real, são poucos os envolvidos. 

Recebi agora há pouco e-mail de um brasileiro que trabalha no departamento de filosofia de uma universidade dos Estados Unidos. Reproduzo abaixo parte da mensagem:


"[s]into uma diferença imensa no método americano em relação ao qual fui ensinado no Brasil. Apesar de sempre ter gostado de filosofia analítica, o que era exigido de mim na graduação era simplesmente interpretação de textos; nunca me pediram para escrever se algo era certo ou errado. Nunca interessou se eu poderia construir um argumento a favor ou contra um problema filosófico. Sou Teaching Assistant de Intro to Philosophy e exijo de meus alunos (mesmo quem está no primeiro semestre) que argumentem a favor e contra o fundacionalismo de Descartes, por exemplo, e que mostrem alternativas."


Resumindo, não recomendo aos jovens brasileiros que estudem filosofia em nosso país. Esta não é uma área forte por aqui. E há convincentes evidências de que fenômeno semelhante ocorre em outras áreas acadêmicas, como letras e educação. 
__________________________
*Emprego a expressão "pelo menos" para destacar que há pesquisadores homônimos, o que dificulta a filtragem de informações.

** Estarei viajando nos próximos dias. Por isso posso demorar para moderar e responder comentários.



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