Visões Noturnas do Centro Politécnico da UFPR
Educação

Visões Noturnas do Centro Politécnico da UFPR




Conheço o Centro Politécnico da Universidade Federal do Paraná (UFPR) há mais de 30 anos. Estudei lá de 1983 a 1989 (graduação e mestrado) e trabalho no mesmo campus de 1990 até hoje. 

O Centro Politécnico em si já é um lugar deprimente. Prédios mal planejados, mal construídos e sem manutenção eficaz, professores coletivamente escondidos em suas pequenas salas escuras e com aquela permanente expressão de desânimo em seus rostos, vastos gramados sem árvores, salas de aula com janelas cobertas por tinta negra (para impedir a entrada de raios solares), iluminação artificial precária, banheiros horrorosos, bebedouros que não funcionam, relógios que pararam no tempo (simbolizando nossa realidade em mórbida poesia), centros acadêmicos sem vida acadêmica e, a cada quatro anos, cartazes de campanhas eleitorais para a reitoria, que poluem paredes em todos os cantos. 

No entanto, é no período noturno que a morte se evidencia de forma mais notável. Nos turnos matutino e vespertino ainda é possível aos alunos alguma vivência universitária, ainda que incipiente. Não há restrições severas sobre horário de funcionamento das ridículas bibliotecas e constantemente é possível assistir a palestras que possam despertar algum interesse. Mas à noite as atividades acadêmicas se limitam praticamente a aulas, reduzindo a UFPR noturna a um medíocre ambiente de desanimadora rotina. 

Nos cursos de licenciatura em matemática e física, os quais conheço melhor, há também um inusitado pacto silencioso sobre horários que a Pró-Reitoria de Graduação prefere simplesmente ignorar. Afinal, por que este órgão deveria se preocupar com o bom andamento dos cursos de graduação? É um pacto que demonstra uma união emblemática entre docentes e discentes: a farsa da carga horária. 

De acordo com documentos oficiais das próprias coordenações de cursos, o horário de aulas à noite, nos cursos mencionados, é das 19:30h às 23:30h. A prática, porém, é obviamente outra. Desde meus tempos de graduação nos anos 1980 (creio que esta prática é bem mais antiga) até hoje, as aulas começam às 19:00h e terminam às 22:30h. Vale observar que este último horário, a rigor, é cumprido por poucos. Normalmente as aulas encerram antes. 

Isso corresponde a uma perda de, pelo menos, meia hora de aula por dia. Durante uma semana de cinco dias, essa perda acumula para duas horas e meia. Durante um semestre de quinze semanas, já temos trinta e sete horas e meia de aulas registradas mas não entregues. Em um curso de quatro anos de duração, essa soma otimista se transforma em uma perda de trezentas horas. Trezentas horas são equivalentes a cinco disciplinas semestrais de quatro horas semanais. Isso corresponde a aproximadamente um semestre inteiro de uma graduação, se a carga horária fosse cumprida. 

Ou seja, além dos alunos dos cursos noturnos de física e matemática terem acesso limitado a bibliotecas, quase nunca terem a oportunidade de assistir a quaisquer palestras e praticamente não encontrarem chances para serem orientados em atividades de iniciação científica, ainda lutam por um diploma que atesta a mentira de um curso realizado em quatro anos (ou quatro anos e meio, no caso da licenciatura em física) que é equivalente a uma péssima graduação de três anos e meio. Péssima justamente por depender quase que única e exclusivamente de aulas e provas.

Nos períodos matutino e vespertino o descumprimento de horário também acontece, com docentes que terminam suas aulas mais cedo. Mas não se compara com a prática noturna. Além disso, ainda há a possibilidade dos alunos do período diurno terem acesso facilitado a bibliotecas e professores, os quais frequentemente podem ser encontrados em suas salas ou em laboratórios. No entanto, durante a noite, a população docente dificilmente pode ser encontrada em seu ambiente de trabalho. Os alunos ficam praticamente limitados a contatos com aqueles que apenas lecionam à noite. 

Mas, naturalmente, estou reclamando por nada. Afinal, ninguém percebe qualquer irregularidade. Tanto alunos quanto professores, coordenadores, pró-reitores e reitor julgam que tudo transcorre normalmente nas noites do Centro Politécnico da UFPR. 

Temos um serviço de segurança terceirizado naquele campus que ainda não consegue evitar o roubo de computadores, mas que consegue impedir que duas pessoas conversem dentro de um carro estacionado, principalmente se isso ocorrer no misterioso e assombrado período da noite. É realmente um horário ímpar do dia.

Porém, parece que o inconsciente coletivo do Centro Politécnico ainda reconhece que o período noturno deve mesmo ser dedicado a atividades mais medíocres do que a média da vida pseudocientífica da UFPR. Isso se evidencia na distinção que se faz entre bacharelado e licenciatura nos cursos de física e matemática. Não existe bacharelado em física à noite. Mas existe licenciatura. Se o jovem deseja se tornar um profissional do ensino médio de física, jamais poderá estudar durante o dia. E nem precisa! Afinal, por que um licenciado em física deveria ter vivência acadêmica durante a sua graduação? Os futuros professores de física de ensino médio não precisam de acesso a bibliotecas e nem de palestras ou atividades de iniciação científica. Sequer precisam de cumprimento de horários de aulas. Afinal, serão professores. Como todos sabemos que professores dos ensinos fundamental e médio formam uma casta inferior de profissionais no Brasil, certamente não há motivos para se levar a sério esta carreira. 

Em situação análoga, não existe bacharelado em matemática durante a noite. Não na UFPR! Isso porque tanto o bacharelado em matemática quanto o bacharelado em física demandam um melhor preparo científico do que os infelizes que sonham lecionar. Como licenciaturas pouco têm a ver com ciência - pelo menos no Brasil, a terra sem tradição alguma na produção de ideias - fica claro que esta estratégia de prioridade sobre os turnos matutino e vespertino se mostra adequada para a realidade de nossa nação. Bacharelados em matemática e física devem ser cursados durante o dia justamente porque é neste horário que existem algumas poucas evidências de vida acadêmica na UFPR. Professores, porém, são criaturas que se alimentam de morte dia após dia e fomentam essa mesma morte entre crianças e adolescentes durante todas as suas carreiras. Portanto, devem se acostumar com a lenta e indolor morte da alma desde cedo. 

Minha recomendação para os alunos da UFPR matriculados no período da noite é a seguinte: espalhem cartazes pelo campus com frases do seguinte tipo: "ProGrad apoia a morte nos cursos noturnos". É claro que durante a noite ninguém poderá ler tais cartazes. Afinal, ou a iluminação é proibitiva à leitura ou todos estarão ocupados em suas respectivas salas de aula. Mas, pelo menos, a população universitária do período diurno estará sendo avisada: não se atrevam a visitar a UFPR durante a noite! Suas almas poderão ser tragadas pela escuridão. 

Aproveito a oportunidade para divulgar um texto recentemente recomendado pelo leitor Kynismós: Otto Maria Carpeaux escreve sobre a universidade. E pensar que eu me julgava um pessimista.



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