Testemunhando lobisomens, extraterrestres e fantasmas
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Testemunhando lobisomens, extraterrestres e fantasmas




Você já viu um fantasma? E uma nave extraterrestre? Se sua resposta for positiva, provavelmente você está enganado.

Existem milhares de depoimentos oficiais (ou na mídia) de testemunhas sobre eventos extraordinários, como a aparição de lobisomens, seres extraterrestres, aeronaves de outros mundos, fantasmas, poltergeists, Virgem Maria etc. Alguns desses depoimentos são suportados por evidências físicas (como fotografias e filmagens). Mas não quero abordar estes casos, pois eles tornam qualquer análise muito mais sofisticada do que aquela que aqui apresento. Prefiro, por enquanto, focar somente os casos que envolvem tão somente testemunhas oculares. 

Em muitas situações, policiais e até mesmo oficiais militares (como o famoso caso de Walter Haut) prestam depoimentos sobre o avistamento de aeronaves que não poderiam ter origem terrestre, se levarmos em conta dimensões, formatos e manobras relatadas de tais objetos voadores não identificados. Há inúmeros casos dessa natureza, até mesmo no Brasil. Como esses profissionais são treinados especificamente para observar e relatar de maneira objetiva o que veem, pode haver uma tendência a considerar seus testemunhos como necessariamente verdadeiros. O que queremos mostrar aqui é a dificuldade matemática envolvida na veracidade em testemunhos de eventos improváveis, mesmo quando esses testemunhos são de pessoas altamente confiáveis.

Ilustro o ponto principal desta postagem com um exemplo muito famoso concebido pelos psicólogos Amos Tversky e Daniel Kahneman. 

Em uma noite de nevoeiro, um táxi é envolvido em um acidente e seu motorista foge no mesmo veículo. Uma testemunha afirma que o táxi era azul. 

Levando em conta que na cidade do acidente apenas 15% dos táxis são azuis e os restantes 85% são verdes, fica patente que o envolvimento de um táxi azul em um acidente é um evento muito mais improvável do que o envolvimento de um táxi verde.

Diante deste fato, a polícia científica decide testar a testemunha. 

Colocando-a sob as mesmas condições visuais (noite de nevoeiro), descobre-se que em 80% das ocasiões a testemunha relata a cor correta do táxi, independentemente dele ser verde ou azul. Temos, então, uma testemunha consideravelmente confiável. 

A pergunta relevante é a seguinte: qual é a probabilidade do táxi do acidente ser azul, diante do testemunho de que ele era azul? 

A resposta a esta questão é conseguida pela simples aplicação do Teorema de Bayes, um resultado bem conhecido em teoria de probabilidades.

Sabemos que a probabilidade de um táxi qualquer da cidade ser verde é de 85%. Denotamos isso por P(V) = 0,85.

Sabemos que a probabilidade de um táxi qualquer da cidade ser azul é de 15%. Denotamos isso por P(A) = 0,15. 

E sabemos também que a probabilidade condicional de que a testemunha diga que o táxi é azul quando ele de fato é azul é de 80%. Denotamos isso por P(TA/A) = 0,80.

No entanto, o que está em jogo em qualquer tomada de decisões não é P(TA/A), mas P(A/TA). Em outras palavras, qual é a probabilidade condicional do táxi envolvido no acidente ser de fato azul, diante do testemunho de que ele era azul? Afinal, o que se busca é a verdade e não apenas testemunhos. 

De acordo com o Teorema de Bayes, a resposta é dada pela fórmula abaixo:


P(A/TA) = P(A)P(TA/A)/[P(A)P(TA/A) + P(V)P(TA/V)],

sendo que P(TA/V) denota a probabilidade de que a testemunha relate que o táxi era azul, quando na verdade era verde. Essa possibilidade simplesmente não pode ser ignorada.

O resultado é que P(A/TA) é igual a aproximadamente 0,41. 

Isso significa que é mais provável que o táxi envolvido no acidente tenha sido de fato verde (com probabilidade de 1 - 0,41 = 0,59), ainda que a testemunha confiável tenha dito que era azul. 

Isso ocorre simplesmente porque táxis azuis são mais improváveis (15%) do que as chances de erro no relato da testemunha (20%). 

Este famoso problema do táxi foi concebido por Tversky e Kahneman para fins de testes psicológicos. Eles ficaram surpresos ao descobrirem que muitas pessoas creem firmemente que era mais provável que o táxi fosse de fato azul e não verde. 

Este comportamento psicológico explica, em parte, a grande popularidade de reportagens no mundo inteiro sobre testemunhos de eventos paranormais ou ufológicos. Trata-se da famosa frase da série de televisão Arquivo X: "Eu quero acreditar."

Para avaliar a probabilidade de que um evento extraordinário E tenha de fato ocorrido diante de um testemunho T que relate TE (ou seja, T afirma que E ocorreu), precisamos primeiro responder às seguintes perguntas: 1) Qual é a probabilidade de que T relate E diante de um evento F totalmente diferente? 2) Qual é a probabilidade do evento E realmente ocorrer?

A resposta a cada uma dessas questões é extremamente difícil de ser dada. Mas se as chances de erro da testemunha T forem maiores do que as chances da efetiva ocorrência de E, fica claro que mais provavelmente a testemunha errou em seu depoimento. 

Como seres humanos são criaturas muito bem conhecidas por seus erros, fica claro que meros testemunhos oculares dificilmente podem servir de base de avaliação se um evento extraordinário realmente ocorreu. 

Enfim, precisamos dar preferência a evidências materiais e não a meros testemunhos, principalmente quando estamos diante do inusitado.



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