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O texto abaixo foi escrito por Cibele Sidney, professora da rede pública de ensino médio do estado de São Paulo. Ela faz uma incisiva crítica ao Saresp, Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo. José Carlos Rothen, pesquisador em educação da Universidade Federal de São Carlos, já havia feito algumas críticas a este sistema que não conta com transparência pública sobre seus critérios de avaliação e de distribuição de bônus entre professores. 

Sempre tenho defendido critérios meritocráticos na educação brasileira. No entanto, distribuição de bônus sem justificativas claras não caracteriza meritocracia alguma. Parece mais um suborno, em troca de silêncio.

Divulgo o desabafo que se segue simplesmente porque este blog é um fórum de discussões aberto a todos os interessados em educação e ciência.

Apesar deste site ter sistematicamente enfatizado o ensino superior, não há como negar a fundamental importância dos ensinos fundamental e médio. Afinal, a educação básica é aquela que produz os futuros alunos universitários deste país.

Desejo a todos uma leitura crítica.
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A definição de Saresp, segundo a Secretaria de Educação do Governo do Estado de São Paulo, é de “uma avaliação externa em larga escala da Educação Básica, aplicada a cada ano, desde 1996, pela Secretaria de Educação”.

Assim, todos os anos, é aplicada uma prova para avaliar todas as escolas estaduais. São as informações levantadas e fornecidas pelo Saresp que permitem aos responsáveis pela educação, identificar o nível de aprendizagem dos alunos e acompanhar a evolução da qualidade da educação ao longo dos anos. No entanto, nada sabemos sobre o desempenho desses alunos, pois não temos acesso a correções, gabaritos ou divulgação de notas. E muito menos nos é explicado quais são os índices que avaliam esses alunos, índices esses que permitem que professores e gestores recebam bônus. Fica então a pergunta que não quer calar: Por que nós, professores e gestores, não temos acesso aos dados?

Para nós, professores, o funcionamento do processo é: aplicamos uma prova em uma escola diferente da que exercemos a função, e o conteúdo da prova é baseado no sistema construtivista adotado pelo Estado (sistema este que questiono e muito) que analisa as variáveis que interferem no desempenho, e o seu resultado serve para o monitoramento das políticas públicas na área de educação e no plano de metas das escolas. Então, mais uma vez a pergunta surge: por que professores e gestores não têm acesso aos dados? E faço o mesmo questionamento: se o plano de meta é das escolas, insisto mais uma vez, por que não temos acesso aos dados e aos gabaritos?

Com relação ao bônus a coisa é ainda pior, pois nem sabemos qual é o índice de classificação para os valores de bônus, pois houve professor que recebeu cinco mil reais e outros que receberam vinte e três reais. E novamente indago: baseado em quê é feito este cálculo?

Segundo algumas informações passadas pelos gestores, eles avaliam através das evasões, repetências e desistências, além do desempenho na avaliação. Mas isso ainda não explica a incoerência nos valores dos bônus. Eu mesma tive um ano em que recebi em torno de duzentos reais e no outro quinhentos reais. Tudo bem que foram em escolas diferentes, o que permitiria uma certa coerência, mas a discrepância desses valores se refere a professores de uma mesma escola. Assim, pergunto: quanto maiores os índices de evasão, repetência e desistência, menor o bônus? Será? Acredito que não, pois o professor da mesma série em que leciono (só que com a disciplina de física, pois eu ministrava química) recebeu o bônus bem maior que o meu, sendo que somos da mesma categoria. Essa história de categorias, para quem não é professor, é complicada de entender e falarei disso em outra ocasião, pois, se você acredita que as barbaridades acabam aqui, está enganado, caro leitor! Tem coisa bem pior.

Essa prova, como supostamente é baseada em tudo isso além das avaliações, mostra que a “obrigação” do professor seria impedir que o aluno fizesse qualquer uma das três coisas (evadir, reprovar ou desistir). Além disso, a qualquer custo, o professor tem que cativar o aluno e, mais ainda, não pode reprová-lo (estou falando do ensino médio, pois no fundamental não se reprova mesmo). Pois se isso acontecer, além de não recebermos o “bendito” bônus, somos classificados como incompetentes e o Estado, baseando-se nesses índices, julga que a culpa do ensino estar ruim é única e exclusivamente do professor, que é incompetente.

Isso tudo sem esquecer um pequeno detalhe: como não temos acesso aos dados de prova dos alunos e muito menos às notas, não temos como obrigar o aluno a aparecer, pois não existe nenhuma nota que será utilizada para atrelar às avaliações bimestrais. Então, para que fazer uma avaliação que além de não contar absolutamente nada para ele; ainda por cima é somente para o professor ganhar bônus (é assim que eles pensam).

E o professor, por que não faz nada? Na realidade, ele não está nem um pouco interessado, afinal, não vai mudar nada mesmo. Têm-se esta ideia porque já foram anos e anos de greves e lutas para se estar na situação que estamos, ou seja, desvalorizados, tanto financeira quanto moralmente.

Isso mostra que, no fundo, a ordem que nos é dada é: não pode haver reprovações. E não me refiro somente ao fundamental, mas ao médio também. Assim, a visão para muitos professores é que não se deve reprovar ninguém, a não ser quando realmente não tiver nenhuma alternativa.

Claro que não vou generalizar, mas são principalmente os professores efetivos, que estão há muitos anos no ensino, que fazem isso. E não tiro a razão deles, pois se reprovarem são considerados incompetentes por não saberem ensinar. Já os novos professores, que são as novas categorias ditas pelo Governo, estão sendo desmotivados por esses que já estão desmotivados pelo Governo. Enfim, uma bola de neve que mostra que a coisa está pior do que imaginam, e não mostra possibilidades de mudanças.



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