Movimentos estudantis
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Movimentos estudantis




Movimentos estudantis no Brasil são comumente ridículos. Muitas vezes são sustentados pela infiltração de partidos políticos em organizações estudantis ou por discursos medíocres durante movimentos de greve. Durante minha graduação participei da única manifestação estudantil que achei valer a pena: uma passeata em branco. Os manifestantes se vestiram de branco e carregaram cartazes em branco, distribuindo panfletos em branco pelas ruas do centro de Curitiba. O evento chegou a ser reportado por uma emissora de televisão. Era uma bela caricatura de várias passeatas que já ocorreram neste país.

No entanto, quando lecionei no Colégio Estadual do Paraná (CEP), em 1989, fui testemunha de um movimento estudantil que me fascinou. Os alunos daquela instituição estavam revoltados contra a direção da escola e organizaram uma manifestação de grande porte. Era noite e dezenas de professores do CEP estavam em um grande salão. A partir das janelas era possível ver o pátio da escola, completamente ocupado por manifestantes que encenavam o enterro simbólico do diretor, com direito a um grande caixão e um boneco caricatural. Uma equipe de televisão, afiliada à Rede Globo, apareceu e uma câmera foi apontada para os alunos do pátio. Estes, em uníssono, começaram a cantar: "Nós não somos bobos, abaixo a Rede Globo!" Obviamente nenhuma reportagem sobre o evento foi veiculada por aquela emissora. Liberdade de expressão, tudo bem. Mas não falem mal de mim.

Porém quero focar aqui a respeito de outros movimentos estudantis muito mais importantes e que devem servir de exemplo para os jovens deste país. 

Em várias ocasiões fui convidado por estudantes a ministrar palestras ou mini-cursos em diferentes instituições. Cito dois exemplos opostos, relativamente a porte institucional: Unicamp e IMAJ. 

Anos atrás um grupo de estudantes me convidou a ministrar uma palestra na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), no interior do estado de São Paulo. Eles organizaram um evento com diversas atividades voltadas à matemática e aos fundamentos. 

O Professor Walter Carnielli, por exemplo, desenvolveu um mini-curso sobre os teoremas de Gödel, que teve ótima receptividade entre os participantes. No meu caso, fiz uma exposição e discussão sobre a teoria de quase-conjuntos, uma teoria de conjuntos que prescinde do conceito de igualdade e que encontra curiosas consequências quando aplicada em determinados problemas da mecânica quântica. Acontece que durante aquela semana de atividades de interesse a inúmeros estudantes da instituição, seus professores não os dispensaram das aulas. Houve o pedido formal por parte da comissão organizadora, mas foi negado. Ou seja, mesmo em uma universidade considerada como uma das melhores do país, não houve apoio a um movimento estudantil simples, autêntico e com profundo mérito acadêmico. Observe o leitor que não estou falando de um movimento político ideológico, mas de uma simples semana de estudos extracurriculares úteis para formação e cultura geral. 

Fico extremamente feliz quando um aluno meu prefere assistir a uma palestra de interesse dele do que a uma aula minha. Este aluno demonstra que não está se conformando com o básico oferecido por sua instituição de ensino. Diversidade de ideias é fundamental para o estímulo à criatividade e à formação acadêmica. Mas o corpo docente matemático da Unicamp parece não pensar dessa forma.

O IMAJ, meu segundo exemplo, é o Instituto de Matemática de Jacarezinho (hoje extinto), no norte do estado do Paraná. Apesar do pomposo nome, não era de fato um instituto de matemática, uma vez que não havia e nunca houve qualquer matemático importante associado a essa instituição. Tratava-se novamente da iniciativa de um grupo de alunos da faculdade local, que estava interessado em promover avanços na matemática. Havia uma liderança estudantil forte, promovida principalmente por Thiago Pedro Pinto e alguns seguidores (também estudantes). 

Fui para lá. Tive que ministrar minha palestra no cinema da cidade, pois não havia outra sala grande o bastante para atender a todos os participantes interessados, que vieram às centenas (incluindo professores e meros curiosos). É uma cidade de interior, com produção matemática nula, apesar da extraordinária dedicação de alguns docentes, demonstrando visível interesse pelo contato com pesquisa. O acesso à cidade é somente por carro ou ônibus, com estradas muito ruins. Os membros do IMAJ conseguiram um espaço físico no qual organizaram uma pequena biblioteca e um único computador conectado à internet. Mas faltava material humano permanente. Havia um professor em especial que, apesar de não ser pesquisador no sentido estrito do termo, atuava como consultor técnico para a polícia do estado de São Paulo. E ele usava, em suas aulas de física, exemplos práticos sobre como reconstituir acidentes de trânsito a partir de evidências físicas deixadas no asfalto, em arbustos, postes etc. Isso estimulava muito os alunos. A literatura sobre a física de acidentes de trânsito é muito pobre em nosso país. Esse professor conseguiu realizar verdadeiros milagres naquela cidadezinha, estimulando entusiasticamente seus pupilos. E não apenas estimulava alunos, como também promovia importantes aplicações da física. Usando conhecimentos de mecânica clássica ele chegou a inocentar um motorista de caminhão acusado por um policial (supostamente testemunha ocular) de matar uma família inteira em acidente ocorrido na estrada.

O fato é que há demanda, há a necessidade pelo conhecimento. E é com isso que eu conto quando escrevo neste blog. Essa demanda não existe apenas nos grandes centros, mas nos lugares mais remotos também. Isso porque a curiosidade é algo que nasce com as pessoas, apesar de a sociedade fazer de tudo para matá-la, usando as escolas como matadouros do intelecto.

Movimento estudantil legítimo é isso: a luta construtiva contra o cotidiano castrador de sala de aula. 

Thiago Pedro Pinto é um exemplo marcante. Estudou em um ambiente academicamente pobre, apesar de eventuais contatos com gente intelectualmente motivada e competente, como o professor acima mencionado. Hoje Thiago é professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, realizando doutorado em educação na Unesp (Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"). O projeto de pesquisa do Professor Thiago é um resgate histórico do antigo Projeto Minerva. Convido os interessados a contribuir com o seu trabalho neste site. Quem não quiser ou puder colaborar, que aproveite a oportunidade para ouvir gravações do Projeto Minerva. É uma curiosa viagem no tempo, para os anos 1970 e 1980. 



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