A Visão sobre os Fósseis e a Paleontologia no passado da humanidade
Educação

A Visão sobre os Fósseis e a Paleontologia no passado da humanidade


Por Aryel Goes e Aline Ghilardi - com a colaboração de Gabriel Braga e Pedro Lucas

No passado, a sociedade humana via a evolução das ciências e da tecnologia de um modo diferente. Quando foi criado o primeiro telefone no século XIV, por exemplo, as pessoas olharam a realidade e a evolução tecnológica com estranheza. A Paleontologia, suas descobertas e desdobramentos, também foram encaradas de formas distintas das que conhecemos na atualidade. Algumas vezes bem curiosas e outras extraordinariamente assustadoras.

Como os fósseis eram vistos e interpretados pelas comunidades do passado? Quais eram os seus pensamentos e conclusões sobre estes estranhos "artefatos da natureza"?

Desde os tempos das cavernas, os fósseis já faziam parte do universo de interação dos homens primitivos, mesmo eles não conhecendo o significado biológico e geológico daquilo que tinham às mãos...

O mais antigo trilobita utilizado como artefato humano,
encontrado na Caverna de Yonne, na França.
Por volta de 1880, um grupo de arqueólogos (não, isso não é um engano) fez uma descoberta interessante em uma caverna na região central da França. Procurando por artefatos, ossos e pinturas rupestres, eles descobriram algo inusitado: o fóssil de um trilobita. Mas não foi bem isso o que mais os surpreendeu. O mais interessante é que o fóssil demonstrava claras evidências de um prolongado manuseamento, além de uma perfuração, que indicava que teria sido usado como um pingente por homens pré-históricos. A caverna passou a ser conhecida como "A Gruta do Trilobita" e dentro dela também foram encontrados outros artefatos, além de pinturas rupestres retratando mamutes e rinocerontes lanosos. O estrato de ocupação no qual foi encontrado o trilobita foi datado de 50.000 anos! 
Se esses antigos humanos usavam o trilobita por algum propósito, supersticioso, religioso ou por pura vaidade, por exemplo, isso vai permanecer um mistério, porém temos alguns registros interessantes sobre a função e/ou propósito que algumas sociedades do passado atribuíam aos fósseis:

Sabe-se que na China, desde tempos remotos, utilizam-se fósseis para tratamentos médicos. Isso mesmo: tratamentos médicos! E eles não foram os únicos, essa ideia também surgiu na Pérsia e foi registrada antes Cristo na Europa. Plínio, o Velho, descreveu como sendo muito comum a utilização de fósseis na medicina romana e de acordo com o relato de outros filósofos, isso parece ter sido um procedimento corriqueiro na Grécia. Sabe-se que o âmbar, espinhos de equinóides e até mesmo dentes de peixe são alguns dos fósseis mais comumente incluídos nessas práticas, utilizados para tratar desde envenenamentos até mesmo gonorréia. Mas é claro que não há comprovação científica de que isso funcione... 

O jesuíta e acadêmico João de Loureiro (séc. XVIII) descreve os fósseis em suas escrituras como "dentes de dragões" e também menciona seus poderes curativos. A comunidade chinesa da Idade Medieval também via os fósseis como itens mágicos provenientes de seres mitológicos como os dragões (BARRETT, 1999) e os gregos chegaram a interpretar fósseis de megafauna como evidências da existência de outros seres mitológicos, como os gigantes. A mitologia e os fósseis estiveram ligados por muito tempo.

A religiosidade também teve sua influência.  A interpretação dos fósseis se moldou à visão bíblica do conto do DILÚVIO, e estudiosos de religião passaram a ligar os fósseis a este acontecimento, justificando que a maioria dos seres representados no registro litológico, tanto marinhos quanto terrestres, eram nada mais e nada menos que animais que morreram no dilúvio. Martinho Lutero (1483-1546) foi um dos responsáveis por tal ideia no séc. XV e XVI.


A visão dos fósseis como objetos de comércio: A beleza dos fósseis e a curiosidade humana também levaram os fósseis a serem encarados como objetos de decoração ou itens preciosíssimos que  muitas vezes integravam as famosas "Câmaras de curiosidades" (o embrião das coleções museológicas) e posteriormente os museus.Um exemplo de uma comerciante de fósseis seria a famosíssima Mary Anning, que vendia os fósseis encontrados para museus da Inglaterra. Imagem: AUTOR DESCONHECIDO.

O geólogo Charles Lyell. Retrato
 por David Octavius Hill.
Os fósseis só passaram a ser vistos como peças fundamentais para se compreender o passado da vida na Terra e explicar um pouco mais sobre a formação do nosso planeta, lá pelo século XIX, apenas, durante o PERÍODO REVOLUCIONISTA, quando o geólogo Charles Lyell (1797-1875) juntou a geologia moderna com os princípios de biologia conhecidos naquela época, criando a ideia de que a Terra sempre manteve as mesmas leis naturais (LYEEL, Principles of Geology de 1830).

Ainda no século XIX, Lyell descreveu como os fósseis poderiam ajudar a datar terrenos geológicos, e os fósseis passaram então a ser um ótimo auxiliar para os cientistas "viajarem no tempo". 

Vemos então que ao longo das épocas, cada civilização tentou compreender o significado dos fósseis a sua maneira. Com o advento dos métodos científicos, as explicações obscurantistas e místicas foram se desfazendo, até que pudéssemos dispor das informações que temos hoje, sem as quais seria muito difícil compreender como a evolução biológica e geológica do planeta ocorreu. Ainda há muito o que se estudar sobre os fósseis e desvelar as informações que eles carregam. Na era da revolução científica, devemos deixar de lado as explicações sobrenaturais e avaliar os fatos com sobriedade. Realmente seria fantástico acreditar que os dragões ou os gigantes mitológicos de fato existiram, mas os fósseis nos contam histórias tão fascinantes quanto. A verdade as vezes por ser muito mais surpreendente que os mitos!

Referências:

- Leia mais sobre o trilobita da gruta de Yonne AQUI.
- Sobre os fósseis na medicina: Duffin, C. J., Moody, R. T. J. & Gardner-Thorpe, C. (eds). 2014. A History of Geology and Medicine. The Geological Society (ISBN: 978-1862393561)
- Sobre mitos e folclore sobre fósseis: Fernandes, A.C. 2005. Fósseis: Mitos e Folclore. Anuário do Instituto de Geociências, vol. 28, 1. Acesse AQUI.
- Fósseis.UC.PT - http://goo.gl/Xr6iVe
- Barrett, P. 1999. Dinosaurs, a Natural History.
- Ebah - http://goo.gl/PpHO1x
Charles Lyell's Principles of Geology (1830).



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